Código Penal vira ‘língua’ do dia a dia e ajuda a explicar fenômeno

Quatro em cada dez pessoas nas esquinas paulistanas é egressa do sistema carcerário; número cresce há cinco anos

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Por Felipe Resk
Atualização:

Nas ruas de São Paulo, o Código Penal vira idioma, com artigos da legislação substituindo palavras comuns. Nessa língua, furto é “um-cinco-cinco”. Roubo, “um-cinco-sete”. E assim por diante. Isso não acontece à toa. Segundo o censo estima, as ruas da capital têm recebido uma proporção maior de pessoas com passagem na polícia. Em 2010, 27% eram egressos do sistema carcerário. Em cinco anos, o índice pulou para 40%. 

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Aos 25 anos, Leão Dênis já cumpriu pena por “um-cinco-cinco” e “um-cinco-sete”. Passou quase três anos preso. “Foi tudo para conseguir droga”, diz. “Gosto muito de crack, o problema é que não sei usar.” 

Nascido em Franca, no interior, Dênis veio para São Paulo há quatro anos. “Um cara disse que ia matar meu pai, tá ligado? Aí, eu passei ele primeiro”, conta o morador de rua, que nunca foi preso por homicídio (ou “cento-e-vinte-e-um”). O pai é alcoólatra. A mãe já morreu. 

Hoje, vive com a namorada Paloma Almeida, de 26 anos, em um canteiro em frente à Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (Ceagesp), onde fogueiras, barracas e até redes de dormir formam um acampamento.

Sobras de feiras do Ceagesp e a iluminação precária do local, que facilita consumo de droga, ajudam a atrair mais gente. “Em dois meses, o número quadruplicou”, diz Rafael Bernardes, da Associação Viva Leopoldina (AVL). “Tornou-se um problema de saúde pública e de segurança: o tráfico é o vilão.”

Crack. Sob um viaduto de Santo Amaro, na zona sul, Antônio José, de 61 anos, só acorda no fim da tarde. Os dedos enegrecidos denunciam o uso de crack. “Me deram uma pedra para experimentar, eu gostei”, diz ele, que também fuma maconha.

José era pedreiro em Itabuna, na Bahia, e veio para São Paulo há 15 anos. Agora, não exerce nenhuma profissão. “Estou aposentado”, diz. Desde que foi atropelado por um carro, se ocupa em alternar a mão entre o cachimbo e a muleta. “Não gosto de morar na rua: não dá para ter nada, um fogão, uma cama. Se não é a Prefeitura, são os outros moradores que levam. Mas é minha condição, fazer o quê?”

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O avanço do crack entre os mais velhos preocupa a especialista Silvia Schor. <IP9,0,0>Segundo o censo, 8% dos idosos usam a droga. “Antes, o consumo era só de álcool. Hoje, a droga se generalizou, está estendida por todas as faixas etárias”, afirma. 

O levantamento aponta que 84% dos moradores de rua usam algum tipo de substância psicoativa, seja droga ilícita ou álcool. Entre os acolhidos em albergue, esse índice é de 54%. “Mas há algo muito perverso nessa história: o risco de identificar todo morador de rua como usuário. Não é verdade.”

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