17 de fevereiro de 2013 | 02h06
Num final de fechamento na redação da Veja (na época, uma clínica de envelhecimento precoce, hoje não sei), um colega me pediu que invertesse a posição de nossas mesas, pois minha fumaça ia direto para ele. A vergonha de sentir-me chaminé coincidiu com uma gripe - e no dia seguinte me dei conta de que, pela primeira vez em duas décadas, tinha atravessado 24 horas sem cigarro. O mesmo no dia seguinte - e aí virou projeto o que não fora intencional. Duas semanas depois, comecei a ouvir um zumbido e fiquei ligeiramente burro. O zumbido passou, mas há quem diga que da segunda ocorrência nunca me refiz.
E foi tudo. Sofrimento, bem pouco. Alívio. Não sei como faria hoje para suportar a privação do fumo numa viagem aérea. Venho do tempo em que a bordo se pitava à vontade. Depois criaram um setor para não fumantes, mas não conseguiram convencer a fumaça a respeitar os limites da sesmaria onde era produzida.
Saudade? Nenhuma. Não precisei dizer como o poeta Mário Quintana, quando o pilharam de cigarro aceso na Serra Gaúcha: "Parei de fumar em Porto Alegre, mas aqui ninguém sabe disso..." Algum tempo atrás, o baque de saber que me ficaram "traços de enfisema". Mas 30 anos depois os pulmões não estariam limpos? Você parou de se fazer mal, sentenciou o médico, porém o mal está feito. Só espero que fique nisso a revanche de meus bofes tão rudemente defumados.
Curioso não ter virado militante do antitabagismo. Não suporto a fumaça, e jamais esquecerei o que foi para mim, já abstêmio, o primeiro beijo (me perdoe, você aí) em boca de fumante. Também não esqueço a neura que não me permitia entrar em casa sem um maço fechado - e ainda assim, em tantas madrugadas, me vi desentortando despojos no cinzeiro. Mas me chateiam os tabacochatos. Gostei demais de um cigarrinho para que vá agora desancá-lo.
Cigarrinho de verdade - e me rejubilo por haver escapado aos "baixos teores", dos quais dizia meu amigo João Vitor: é como dançar com irmã. Melhor que isso, escapei do "cigarro eletrônico", esquisitice que, sem fumo nem fogo, está para o tabagismo como o vibrador para o sexo. Não me rendi a perfumarias como o cigarro mentolado - e não por ter corrido o boato de que fazia esmorecer aquele pito com uma consoante a mais. "Imagina se eu não fumasse!", jactava-se um Don Juan amigo meu - ao qual parece nunca ter faltado apetite, para a política ao menos, pois o fumante de Cônsul acabou chanceler.
Passei ao largo, também, de bobagens tabagísticas como o Capri, pitoco tão curto que quase já era guimba. Fui fiel ao Luís XV, e lamentei o desaparecimento da versão original, sem filtro. Não faz diferença, eu sei, mas gostaria que meu último cigarro, consumido na redação da Veja, tivesse sido um desses. Mais: que existisse então o projeto The last cigarette portraits, do fotógrafo paulistano Claudio Pepper. Dê uma espiada na internet: retratos de gente a baforar a derradeira tragada, naquilo que, segundo o ex-fumante Claudio, constitui "um dos momentos de maior prazer que alguém pode ter". Você escolhe o cenário, o figurino, a pose. Por que não dar esse passo "de uma forma inesquecível, quase cerimoniosa, premeditada, pontual", propõe o retratista, "para que não reste saudade, mas uma lembrança muito intensa?"
Será que o Claudio aceita repetentes?
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