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Cidades no interior de SP identificam infectados com a covid com pulseirinha vermelha

Nova Granada, Tabapuã, Paulo de Faria e Irapuru adotaram medida; quem tem suspeita da doença usa adereço amarelo

Foto do author José Maria Tomazela
Por José Maria Tomazela
Atualização:

SOROCABA - Quatro cidades do interior de São Paulo já obrigam os moradores com covid-19 a usarem pulseirinhas vermelhas para serem identificados como infectados pelo vírus. Pessoas com suspeita da doença têm de portar no braço a pulseirinha amarela. Quem descumpre pode ser multado. As medidas foram adotadas em Nova Granada, Tabapuã, Paulo de Faria e Irapuru, cidades pequenas do interior. Em Iacanga, o decreto chegou a entrar em vigor, mas foi suspenso após recomendação do Ministério Público. Juristas não concordam com a medida.

A prefeitura de Nova Granada obrigou o uso da pulseirinha por decreto em vigor desde 8 de março. De acordo com a secretária de saúde, Quézia Cunha, é uma forma de lembrar o paciente com suspeita ou confirmação do vírus de que ele precisa ficar em isolamento. Cerca de 700 pessoas já receberam pulseirinhas. Dois moradores foram multados em R$ 300 por descumprir a norma. Eles saíram de casa com as pulseiras vermelhas e foram denunciados por outros moradores. Um ia para o trabalho e o outro foi flagrado em um estabelecimento comercial. Eles ainda têm prazo para entrar com recurso.

Portadores do coronavírus são obrigados a usar pulseiras nas cores vermelha e amarela, em Nova Granada, interior de São Paulo Foto: Prefeitura de Nova Granada / Divulgação

Segundo a secretária, desde que a medida foi adotada, o desrespeito às medidas de isolamento caiu e o número de casos de covid também. A média diária de casos positivos baixou de 159 na primeira semana de vigência do decreto - de 8 a 15 de março -, para 79 no período de 1 a 7 de abril. Conforme a secretária, não é possível afirmar que a queda se deve apenas à pulseirinha, já que outras medidas para controle da pandemia, como a restrição das atividades, também foram adotadas. "Antes, eram comuns os casos de desrespeito ao isolamento. As pulseiras fizeram com que os moradores pensassem antes de sair de casa", disse.

Mesmo internada, a cozinheira Terezinha de Araújo, de 61 anos, é obrigada a usar a pulseirinha vermelha, em Nova Granada, interior de São Paulo Foto: Acervo pessoal

A cozinheira Teresinha de Araújo, de 61 anos, internada na unidade de pronto atendimento 24 horas de Nova Granada, está com a pulseirinha vermelha presa ao braço esquerdo desde terça-feira, 6. "Antes, eu estava com a amarela, mas aí saiu o resultado positivo da covid e a médica trocou pela vermelha", disse. Ela contou que sua filha, Kátia, de 27 anos, mãe de um menino de dois, está em casa e também usa o adereço de cor vermelha. "Ela também pegou, mas não precisou internar. A pulseirinha serve para lembrar que ela não pode sair de casa." Teresinha não se incomoda em ostentar no braço a marca da covid. "Uma pulseirinha não é nada, perto do que é a doença", disse.

A dona de casa Kátia Araújo não se sente constrangida por usar a pulseirinha, em Nova Granada. Seu marido apresentou sintomas e recebeu a pulseira amarela Foto: Arquivo pessoal

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Dona de casa, Kátia Araujo está com a pulseirinha vermelha desde terça-feira. "Depois que minha mãe pegou, eu também tive sintomas e deu positivo, então fui direto para a vermelha. Meu marido, que também teve sintomas e ainda não saiu o resultado, está com a pulseira amarela." Só o filho do casal, Enrico, não fez o exame por estar sem sintomas. "A pulseira serve de alerta para as pessoas que não pegaram a doença ainda e não me sinto constrangida porque não saio de casa. Não tenho culpa de ter pegado o vírus, por isso não tenho nenhuma vergonha de usar a pulseira", disse. 

Mais cidades

Outras cidades se inspiraram no decreto de Nova Granada para adotar medidas semelhantes. Em Irapuru, de 8,3 mil habitantes, os casos suspeitos serão identificados com a pulseira amarela, com a inscrição "isolamento". Já os casos confirmados terão a pulseira vermelha, com a palavra "positivo". O decreto, publicado nesta quinta, 8, prevê multa de R$ 1.163 para quem romper a pulseira ou for flagrado com ela, descumprindo o isolamento. Além dos agentes municipais de saúde, a norma municipal autoriza a Polícia Militar a fazer a abordagem dos infratores.

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Na terça, a colocação de pulseiras teve início também em Tabapuã, cidade de 12,4 mil habitantes. Conforme a prefeitura, 89 pessoas com o vírus e 11 com suspeita da infecção já foram marcadas. "As pulseiras indicam que aquele paciente deverá permanecer em isolamento até receber alta e somente o médico responsável poderá retirar a identificação", diz o decreto municipal. A multa de R$ 300 será dada caso o paciente retire a pulseira por conta própria, ou seja flagrado em locais públicos. "Fotos e vídeos poderão ser usados para comprovar o descumprimento", completa o texto.

A Prefeitura de Paulo de Faria divulgou em redes sociais a obrigatoriedade das pulserinhas para suspeitos e portadores do coronavírus Foto: Prefeitura de Paulo de Faria / Divulgação

Em Paulo de Faria, de 8,9 mil habitantes, a prefeitura usou as redes sociais para divulgar o decreto assinado nesta terça-feira, 6. A colocação das pulseiras já começou. A cidade tem 62 pacientes positivos e 76 suspeitos. "O intuito das pulseiras é evitar a circulação daqueles que estão suspeitos ou positivados. Denuncie!", pede a prefeitura.

Revogada

Em Iacanga, o decreto que obrigava o uso de pulseiras coloridas por pessoas com covid entrou em vigor na segunda-feira, 5, e foi revogado nesta quinta, 8. A prefeitura acatou recomendação do Ministério Público de São Paulo (MPSP), que considerou a medida discriminatória. A promotoria local citou resolução da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, segundo a qual o enfrentamento da pandemia jamais pode prescindir do respeito aos direitos humanos das pessoas com covid-19, com especial enfoque para a eliminação de todas as formas de discriminação e respeito à autodeterminação".

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Ainda segundo o MP, a norma internacional veda a "adoção de práticas capazes de causar estigma social e comportamentos discriminatórios", vedando ainda a "identificação seletiva de pessoas" pelo poder público. A cidade, de 11,8 mil habitantes, registrou a 11ª morte pela covid nesta quarta, 7, a segunda esta semana. O município soma 741 casos positivos, com 22 pacientes em tratamento domiciliar e nove internados. A prefeitura informou que adotou o uso das pulseiras devido às denúncias de que pessoas contaminadas estavam circulando normalmente pela cidade. Apesar de já acatada, a recomendação do MP será avaliada pelo departamento jurídico.

Risco

Para o procurador geral da prefeitura de Nova Granada, Heitor Villaça, a pulseirinha foi adotada levando em conta o risco que as pessoas infectadas representam para as demais quando não cumprem o isolamento obrigatório. "Em ambiente comum, quando uma pessoa tosse ou espirra, as demais ficam alertas e evitam o contato. Com a pulseirinha é a mesma coisa." A medida, segundo ele, tem menor grau de restrição à liberdade da pessoa do que o lockdown e outras medidas que restringem a circulação. "A pulseirinha é largamente usada em festas e eventos. A pessoa só vai se sentir constrangida se violar o isolamento, expondo outras pessoas, o que é crime."

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O advogado Acacio Miranda, especialista em direito penal e constitucional, avalia que o município tem poder de polícia administrativa para multar e impor sanções a quem descumpre as normas de controle da pandemia. Colocar pulseira, porém, ele vê como constrangimento. "É aceitável que no hospital o paciente seja identificado com uma pulseira. Na rua, no entanto, vejo como excesso. Embora seja óbvio que é crime a pessoa que devia estar em quarentena sair à rua, a imposição de uma marcação é sem dúvida constrangimento."

Especializada em direito médico, a advogada Mérces Nunes afirma que a pulseirinha é discriminatória. "Em nenhuma circunstância o município tem essa autonomia para discriminar pessoas. Causa um enorme constrangimento e o município não tem respaldo constitucional para fazer isso. O que diríamos se as pessoas com HIV e tuberculose, que são doenças transmissíveis, também tivessem que ser identificadas dessa forma?" Segundo ela, a pulseirinha obrigatória não se compara com outras medidas genéricas, como o lockdown, que abrange pessoas de forma indiscriminada. "Existe uma proibição velada no ordenamento jurídico sobre esse 'apontar o dedo', esse tipo de discriminação. Se a pessoa for multada, pode mover ação de reparação de danos com chance absoluta de sucesso", disse.

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