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Cidade do Porto resgata seu centro

Plano português que já recuperou 51 prédios poderia ser adotado em SP, avalia o Secovi

Por Rodrigo Burgarelli
Atualização:

O centro da sua cidade, antigamente a área com mais esplendor e riqueza, pouco a pouco vai perdendo moradores e se tornando mais degradado. Não, esse fenômeno não é privilégio paulistano - nem brasileiro. Em Portugal, o mesmo aconteceu com algumas dezenas de municípios - entre eles, a milenar cidade do Porto, no norte do país. Porém, uma política de reabilitação urbana do governo português, aliada aos esforços locais, está levando o centro histórico do Porto de volta ao topo de bairros nobres da cidade. Originário de um povoado pré-romano ocupado séculos antes do nascimento de Cristo, o município compõe uma região metropolitana com cerca de 1,3 milhão de pessoas. A maioria, porém, vive fora da mancha urbana. Para se ter uma ideia, o centro perdeu mais da metade dos seus moradores nos últimos 40 anos, deixando vazios quase um quinto dos seus imóveis.Esse processo de desertificação - muito mais intenso do que o ocorrido em São Paulo - foi causado por uma série de fatores. Entre eles, o incentivo à construção de novos prédios, a falta de infraestrutura da região e a criação de cortiços no centro antigo - vários deles nem sequer estavam conectados à rede de esgoto há alguns anos. Além disso, as ruelas estreitas e a falta de vagas de garagem e de transporte público de qualidade levaram grande parte dos recém-chegados a escolher morar nos subúrbios.Essa situação começou a mudar em 2004, quando foi criada a Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) da cidade, batizada de Porto Vivo. As SRUs são órgãos públicos cuja criação foi incentiva pelo governo em todas as cidades que tivessem problemas de esvaziamento dos seus centros. "Elas são formadas apenas por capital público e têm todos os poderes necessários para, por exemplo, desapropriar um prédio degradado, forçar a sua venda ou reforma e até mesmo mandar demoli-lo, caso não tenha condições de ser restaurado", explica o arquiteto português Eduardo Queirós, que trabalha em parceria com o órgão.Início. O primeiro passo foi determinar os limites de uma área de 500 hectares no centro antigo como alvo das ações. Em seguida, começaram análises mais aprofundadas. "A SRU vai quarteirão por quarteirão, prédio por prédio, estudando o que é melhor para aquele local e fazendo a mediação entre moradores e proprietários, até a decisão sobre o que fazer ali", diz Queirós.O esforço fez com que, só entre 2005 e 2009, 139 acordos de reabilitação de edifícios fossem firmados e 101 intervenções já fossem iniciadas. Hoje, 51 prédios estão com as obras concluídas - o que já provocou mudanças profundas na região. A ideia é que a maior parte das intervenções seja concluída até 2015. O exemplo mais marcante dessa transformação é o Quarteirão das Cardosas, uma quadra com 42 edifícios, dos quais 57% estavam em mau estado de conservação. A SRU determinou a demolição dos cortiços que ocupavam o interior do quarteirão e abriu uma praça pública no lugar, que hoje abriga cafés e livrarias. Um banco abandonado acabou dando lugar a um hotel cinco-estrelas com 105 quartos, aberto no ano passado. E, com o dinheiro das contrapartidas cobradas dos setores imobiliários, um estacionamento subterrâneo foi construído.Críticas. Nem todo mundo, porém, concorda com o modelo. Há críticas em relação à grande concentração de poder da SRU, que pode decidir o que fazer com cada prédio e, inclusive, rescindir um contrato de locação sem oferecer opções de moradia para os antigos habitantes. "O que se verifica é a transferência de propriedade dos pequenos senhorios para o grande capital imobiliário e financeiro, a expulsão de moradores fragilizados para bairros da periferia e a venda especulativa das habitações reabilitadas", afirmou o vereador comunista Pedro Carvalho ao jornal português Público, em abril.Além disso, a crise econômica que atinge Portugal está causando retração dos investimentos - públicos e privados. A SRU agora passa por uma crise financeira e o governo português admite procurar maneiras menos custosas de financiar as revitalizações.Mas, mesmo com esses problemas, o vice-presidente de Assuntos Turísticos e Imobiliários do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Caio Calfat, diz que o modelo tem lados positivos que podem ser copiados pela capital. "Lá, pensaram no modelo financeiro, nas ferramentas jurídicas, nos benefícios fiscais, em tudo", avalia. "Aqui, vemos ainda muitas iniciativas isoladas, como a reforma do Teatro Municipal ou a abertura da Sala São Paulo, que não têm a capacidade de mudar todo o seu entorno."

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