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Choque mais recente do Brasil com juventude urbana ocorre em shoppings

Chamadas de rolezinhos na gíria das ruas de São Paulo, as reuniões bagunçadas podem ir além de meros flash mob para tocar questões de espaço público e direitos

Por Simon Romero
Atualização:

SÃO PAULO - As imagens foram tão impactantes para as elites brasileiras que a presidente Dilma Rousseff convocou uma reunião com seus principais assessores para elaborar uma resposta, e donos de lojas obtiveram liminares para fechá-las: milhares de adolescentes, na maioria de periferias urbanas pobres, se organizaram por meio de mídias sociais para realizar excursões barulhentas em shopping centers.

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Chamadas de rolezinhos na gíria das ruas de São Paulo, as reuniões bagunçadas podem ir além de meros flash mob para tocar questões de espaço público e direitos numa sociedade onde os padrões de vida dos pobres melhoraram e as classes sociais estão em transformação.

"Por que eles não querem que nós entremos nos shoppings?", perguntou Plínio Diniz, 17 anos, um estudante de segundo grau que participou de um rolezinho este mês no Shopping Metrô Itaquera, onde policiais usaram gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar uma multidão estimada em 3 mil pessoas. "Nós temos o direito de nos divertir, mas a polícia foi longe demais."

Preocupadas com os protestos de rua que abalaram cidades por todo o País no ano passado, as autoridades estão tentando avaliar cuidadosamente as maneiras de reagir aos encontros, que começaram a aumentar de tamanho e intensidade em dezembro. Conscientes de que os protestos de rua se multiplicaram depois de uma resposta dura da polícia, as autoridades em Brasília estão advertindo contra o uso da força para desalojar adolescentes dos shoppings.

"Não creio que a repressão seja a melhor maneira de agir porque tudo feito nessa linha é como atirar gasolina no fogo", disse Gilberto Carvalho, assessor de alto nível de Dilma Rousseff a jornalistas.

A despeito dos temores de vandalismo e roubos de lojas, a polícia só reportou algumas detenções associadas aos rolezinhos. Mas forças policiais supervisionadas por governadores estaduais não parecem dispostas a acomodações e os operadores de alguns shoppings de luxo obtiveram ordens judiciais permitindo que seus seguranças barrem a entrada de participantes das manifestações.

Como os rolezinhos envolvem um grande número de adolescentes de pele escura, essas medidas suscitaram acusações de discriminação racial além da questão perturbadora de por que shopping centers são lugares tão cobiçados de interação social em São Paulo e outras cidades brasileiras onde os parques continuam sendo poucos e distantes.

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"Os garotos das classes mais baixas foram segregados dos espaços públicos, e agora estão desafiando as regras não escritas", disse Pablo Ortellado, um professor de políticas públicas na Universidade de São Paulo.

Situando os rolezinhos no contexto das mudanças econômicas que se difundem por toda a sociedade brasileira, Ortellado assinalou que a elevação dos níveis de vida dos pobres ao longo da última década já abalou as classes superiores do País. Um exemplo são os aeroportos sendo frequentados por viajantes que estão voando pela primeira vez.

"Agora, a presença destes adolescentes em shoppings está chocando alguns porque está sendo feita de maneira organizada e não difusa", disse ele.

Os rolezinhos são geralmente organizados pelo Facebook, e cerca de 20 estão planejados para cidades brasileiras nas próximas semanas, e com frequência envolvem subir e descer correndo por escadas rolantes e muita gritaria, flertes e a cantorias de canções funk brasileiras. Para muitos participantes, embora eles possam vir de áreas urbanas relativamente pobres, os eventos são também oportunidades para exibir roupas caras de grife.

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Num ensaio amplamente distribuído sobre os rolezinhos, Leandro Beguoci, o editor-chefe da nova empresa de mídia F451 Digital, acautelou contra atribuir um caráter abertamente politizado aos encontros, assinalando que os maiores eventos foram convocados não em áreas ricas, mas em shoppings relativamente novos em partes menos prósperas de São Paulo.

"Estes são os filhos da classe C, para quem o consumismo é a glória", disse Beguoci, 31 anos, referindo-se à classe média em expansão do Brasil. "Os sons que eles estão ouvindo principalmente não são o rap contra o establishment, mas o funk ostentação", o estilo musical em que os artistas usam grossos colares dourados, bebericam champanha e guiam Lamborghinis em seus vídeos.

Outros dizem que os rolezinhos, embora não explicitamente políticos, abrem caminho para novos métodos de protestos em shoppings. Centenas de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, um grupo que promove ocupações de prédios abandonados, tentaram organizar seus próprios rolezinhos na quinta-feira passada em dois shoppings de São Paulo, mas foram impedidos de entrar por seguranças.

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"Estamos revoltados com a postura de preconceito em alguns shoppings", disse Jussara Basso, 38 anos, uma líder dos sem-teto, alguns dos quais ergueram dinheiro e cartões bancários quando lhes barraram a entrada nos shoppings. "Está claro que alguns estabelecimentos não querem muitos consumidores que são pobres e negros."

Ante a perspectiva de que os rolezinhos possam se intensificar e se espalhar para outras cidades além de São Paulo, os encontros estão expondo outros sentimentos entre alguns nas partes urbanas de elite. No Rio de Janeiro, onde um rolezinho foi programado para domingo passado num shopping do Leblon, o bairro a beira-mar mais exclusivo da cidade, um juiz impediu o evento argumentando que seus participantes poderiam causar "desordem pública". O shopping de luxo, por sua vez, fechou as portas no domingo.

Cerca de uma centena de participantes compareceram mesmo assim ao rolezinho na frente do shopping no Leblon. Gizele Martins, que escreve para um jornal comunitário no Complexo da Maré, uma área de favelas no Rio, disse que fazer isso era um "ato político, para dizer à sociedade que nós fazemos parte dela, que não estamos nas suas margens".

Embora o rolezinho tenha tido uma certa atmosfera festiva, com alguns participantes bebendo cerveja na rua, Martins e outros foram recebidos com portas fechadas no shopping e insultos de passantes irritados com o fechamento do shopping.

Indo além de expressar o alarme em círculos de elite, Rodrigo Constantino, um colunista da revista Veja, fustigou com linguagem áspera o que chamou de "esquerda caviar" por defender os rolezinhos.

"Uma turba de bárbaros invadindo uma propriedade privada para fazer baderna não é um protesto ou um 'rolezinho', mas invasão, arrastão, delinquência", ele escreveu.

Alguns adolescentes falando de seus rolés por shoppings do Brasil se disseram surpresos por suas reuniões estarem encontrando tanta resistência.

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"Só queríamos nos divertir", disse Letícia Gomes, 15 anos, que participou de um rolezinho em São Paulo este mês em que a polícia agrediu alguns participantes. "Para mim, isso não é uma coisa política. Eu simplesmente saí para encontrar pessoas."

Tradução de Celso Paciornik

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