16 de julho de 2019 | 03h00
SÃO PAULO - Um mês antes da morte de quatro pessoas da mesma família em Santo André, na Grande São Paulo, intoxicados por monóxido de carbono, parte da chaminé do exaustor a gás do apartamento caiu. A informação é do síndico Edson Ferrari.
O problema teria deixado o equipamento sem o escapamento adequado para o gás que, com as janelas fechadas, matou Enzo, Bárbara, Kátia e Roberto Utima na noite de sexta-feira. Quando a peça caiu, segundo Ferrari, Roberto procurou o zelador do prédio e, com uma escada, eles encontraram o pedaço de chaminé na laje do prédio. O relato coincide com a data em que a família teve crises de vômito e tontura, há cerca de um mês. Eles foram diagnosticados com sinusite e desidratação, mas a polícia vê relação do episódio com as intoxicações.
“Um mês atrás, parte da chaminé dele (Roberto) caiu, veio abaixo”, contou o síndico. Ferrari acredita que o proprietário tenha deixado para consertar o equipamento após a viagem à Disneylândia que faria com a família. “Quando voltou, acho que nem lembrou disso, não abriu a janela. E aconteceu.”
Ferrari também contou que o prédio instalou o sistema de aquecimento a gás natural há cerca de dez anos. Na ocasião, Roberto teria informado que já tinha um sistema de aquecimento movido a gás liquefeito de petróleo (GLP), instalado por conta própria. O proprietário foi advertido na ocasião que deveria instalar uma chaminé - o que, segundo o síndico, foi feito na época pela Comgás.
O condomínio deve contratar uma empresa para vistoriar os equipamentos de todos os apartamentos no prédio. Ainda não há data para que isso ocorra. A medida foi tomada após orientação da Polícia Civil.
A família foi velada e enterrada nesta segunda, em Mauá. Segundo a polícia, informações preliminares do laudo médico confirmam o monóxido de carbono como causa das mortes.
O presidente da Associação Brasileira de Aquecimento a Gás (Abagás), Leonardo Abreu, ressalta que a instalação de qualquer aparelho deve cumprir uma norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a NBR-13.103. “Em um ambiente interno, como uma residência, todos os aparelhos necessitam de duto de exaustão (chaminé)”, explica Abreu.
Nos últimos dez anos, 322 brasileiros morreram vítimas de intoxicação acidental por gases e vapores, segundo levantamento feito pela reportagem no Datasus, portal do Ministério da Saúde que traz dados sobre mortalidade. Os números são referentes ao período de 2008 a 2017, o mais recente disponível.
Segundo o balanço, a faixa etária com o maior número de mortes é de 20 a 29 anos, com 64 óbitos. Entre os mortos, 34 eram crianças ou adolescentes com menos de 14 anos, dos quais oito eram bebês menores de 1 ano.
A maioria das vítimas (75%) era homem. Foram 243 mortos do sexo masculino e 79 do sexo feminino. O Estado com o maior número de ocorrências foi São Paulo, com 88 mortes no período analisado, seguido por Rio Grande do Sul (38) e Rio de Janeiro (33).
No grupo de mortes acidentais por gases e vapores, de acordo com a base de dados do ministério, inclui-se a intoxicação por substâncias como monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio, dióxido de enxofre, entre outras.
Para o médico Anthony Wong, toxicologista no Hospital das Clínicas, a maioria dos profissinais da área está despreparada para identificar casos de intoxicação. Ele diz que confusões entre sintomas são comuns pois os médicos normalmente só consideram a intoxicação como última hipótese.
"O grande problema, infelizmente, é que, como a toxicologia clínica não é uma disciplina obrigatória dentro das faculdades de Medicina do Brasil, muitas vezes o médico não se dá conta do diagnóstico", conta Wong, que dá aulas sobre o tema na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Apesar de a época do ano ser propícia a casos que envolvem sinusite, Wong diz que o médico deveria ter desconfiado do fato de todos os membros da família terem apresentado os mesmos sintomas. Náusea e vômitos são os últimos sinais de uma intoxicação por monóxido de carbono.
Normalmente, a pessoa sob os efeitos do gás sente inicialmente apenas fraqueza e, depois, tontura. Como o gás não tem cheiro, é difícil o intoxicado identificar as causas do sintoma. "O monóxido de carbono é um matador silencioso", diz. / COLABOROU FELIPE CORDEIRO
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