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‘Cerca eletrônica’ da polícia na internet ajuda a resolver crimes

Polícia Civil tem usado o monitoramento de redes sociais para prevenir e investigar crimes em São Paulo. Método, que permite acompanhamento em tempo real de publicações no Facebook, Instagram e Twitter, já obteve indícios usados em inquéritos

Por Felipe Resk
Atualização:

Às vésperas do segundo turno, um eleitor de Itaquera, zona leste de São Paulo, decidiu publicar uma mensagem no Facebook: “Vou matar todos os fascistas na minha zona eleitoral”. Pouco depois, a ameaça foi detectada pelo delegado Guilherme Caselli, que atua em setor de Inteligência da Polícia Civil, monitorando redes sociais. 

Mensagem de WhatsApp foi principal prova em julgamento de réu envolvido na chacina de Osasco, em 2015 Foto: Rafael Arbex / ESTADAO

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Com base em dados disponíveis na rede, os investigadores conseguiram levantar outras informações, como o endereço do internauta. A delegacia da área foi acionada. No dia da votação, o rapaz foi monitorado de perto. Compareceu à urna e saiu sem atacar ninguém. Se tivesse tentado, havia policiais preparados para evitar o crime.

O episódio ilustra, na prática, a aplicação de uma técnica que tem sido usada pela Polícia Civil de São Paulo para prevenir delitos e mapear suspeitos: a “cerca eletrônica”. O método, também chamado de coleta em fonte aberta, permite acompanhar, em tempo real, informações de redes sociais, como Facebook, Instagram e Twitter.

Para isso, os agentes usam filtros de geolocalização, delimitando uma área específica, ou por palavras-chave, as tags. Nesse caso, se alguma postagem contiver um dos termos selecionados (“assalto”, “tiro”, “arma de fogo”, por exemplo), o policial recebe um alerta. “Não é um método intrusivo, a coleta é feita com informações que os próprios usuários disponibilizam”, explica Caselli. “A grande técnica é conseguir ‘minerar’ as informações.”

Na capital, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) tem um núcleo de inteligência que, entre as suas atribuições, monitora publicações na internet. Já Caselli integra a equipe da delegacia de Jacareí, no Vale do Paraíba. “Hoje, a informação de um crime chega mais rápido na rede social do que na delegacia”, afirma. “Se vejo um popular postando sobre um roubo na rua dele, imediatamente consigo acionar a Polícia Militar.”

O delegado vai abordar o tema no Fórum Nacional da Inteligência Aplicada para o Combate à Criminalidade (IACC), que ocorrerá na segunda e na terça-feira, em São Paulo. A iniciativa é de sindicatos e associações de delegados das Polícias Civil e Federal de São Paulo. O evento também vai discutir combate a crime organizado, corrupção e lavagem de dinheiro, além de novas tecnologias de segurança. 

Aplicações

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Informações de redes sociais servem, ainda, para outras fases da atividade policial, entre elas na identificação de autores de crimes. Neste ano, por exemplo, investigadores do 14.º Distrito Policial (Pinheiros) conseguiram obter mandado de prisão contra um suspeito de praticar uma série de assaltos na Vila Olímpia, após cruzar filmagens de câmeras de segurança com fotos dele no Facebook. Nas imagens, ele estaria com as mesmas roupas, segundo investigadores.

Para Rafael Velasquez, gerente regional da TechBiz Forense Digital, empresa especializada em tecnologia contra cibercrimes, o uso desses dados é uma tendência “irreversível”. “Na Inglaterra, há estudo que aponta que 85% das investigações envolvem informações digitais”, diz. “Hoje, há celulares apreendidos com 80 mil fotos. Parte do desafio da polícia é analisar esses dados, trabalho que, sem aplicação de tecnologia adequada, pode durar meses.”

Já para extrair dados restritos, como mensagens de WhatsApp, é preciso de autorização da Justiça. Foi assim que a polícia descobriu os autores do crime contra a policial militar Juliane Duarte, morta em Paraisópolis, em agosto.

Outro caso emblemático é o da chacina de Osasco e Barueri, ocorrida em 2015. Em março, o Tribunal do Júri condenou um dos réus, o PM Victor Cristilder, a 119 anos de prisão: a principal prova contra ele era uma troca de “joinhas” no WhatsApp em horas que coincidiam com o início e o fim dos ataques.

As mensagens haviam sido apagadas do aparelho, mas foram recuperadas pela polícia. A defesa recorreu da sentença, sob argumento de que a prova havia sido produzida sem autorização judicial. Recentemente, uma procuradora de Justiça recomendou que o PM seja a absolvido em segunda instância. 

3 Perguntas para Ivana David, desembargadora do TJ-SP

Qual é a sua avaliação sobre uso de redes sociais para combater crimes?

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Monitoramento de rede social é equivalente ao que a polícia fazia antes na campana: usava viatura descaracterizada, se disfarçava de vendedor de pipoca, tudo isso para obter informação. Hoje, faz por meio eletrônico. Postagens se tornaram um nicho em que as pessoas expõem condutas criminosas. Cabe à polícia intervir.

Há estrutura policial para lidar com o volume de dados digitais?

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Mesmo se o crime for investigado por meio digital, precisa de perícia para que a prova seja produzida. Um print, por exemplo, tem de ser analisado por um perito oficial, mas a Polícia Técnico-Científica de São Paulo está sucateada. Na prática, a prova demora e isso prejudica a efetividade da Justiça. Sem um laudo, a Justiça não pode dar resposta a contento: tem de absolver o réu.

A senhora acredita que o uso de novas tecnologias na produção de provas criminais pode aumentar o risco de contestação judicial?

Toda prova tem de ser colhida de forma lícita, respeitando os limites da Constituição e do Código de Processo Penal. Para extrair mensagens de WhatsApp, por exemplo, um juiz precisa autorizar a quebra de sigilo. Se a prova é produzida de forma ilegal, é considerada nula. Mas em São Paulo os casos de ilegalidade por meio de prova são raros.