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Centenárias, lojas da Rua da Carioca evitam despejos

Via no centro do Rio quase perdeu comércio tradicional para a alta do aluguel, mas prefeitura desapropriou imóveis e cobrará menos

Por Roberta Pennafort e RIO
Atualização:

Aberta três séculos atrás, a Rua da Carioca viu todas as transformações econômicas pelas quais passou o centro histórico do Rio. O enfraquecimento do comércio tradicional experimentado nas últimas décadas doeu especialmente ali. Para 18 comerciantes, o golpe de misericórdia veio há dois anos, com a aquisição, pelo fundo de investimento imobiliário Opportunity, dos sobrados que eles alugavam, e o consequente aumento dos aluguéis cobrados. Agora, veio a reação.

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"Qual a única loja do Rio especializada em guarda-chuva? Uma casa como a nossa não pode fechar nunca", brada Armando Lauria Junior, da elegante Vesúvio, há 67 anos no número 35. Lauria está desde 1978 no ponto deixado por seu pai, inaugurado com pompa pelo apresentador Chacrinha. Foi um dos lojistas que se levantaram contra o reajuste dos aluguéis na primeira hora: entrou na Justiça e paga em juízo o valor antigo, R$ 8 mil, um terço do que passou a ser pedido.

A Vesúvio foi uma das beneficiadas pela criação pela prefeitura, há um ano, do Sítio Cultural da Rua da Carioca, um conjunto tombado. No início deste mês, este e outros sete imóveis foram desapropriados. Com a medida, eles passarão a ter como locador a própria prefeitura, que cobrará valores mais compatíveis com sua atividade.

"Não é possível um aluguel passar de R$ 12 mil para R$ 80 mil, ninguém aguenta. Para o Opportunity, não interessa se é uma loja que tem 127 anos, como a Guitarra de Prata, onde passaram de R$ 7 mil para R$ 15 mil, e depois já queriam R$ 35 mil. Claro que tinha de fechar", critica o "xerife" da rua, Roberto Cury, presidente da Sociedade Amigos da Rua da Carioca e Adjacências (Sarca). Ele criou a associação em 1977, com o objetivo de impedir a demolição do lado ímpar da rua, justamente a que teve 18 lojas compradas pelo Opportunity.

O lado ímpar é ligado ao Convento de Santo Antônio e pertencia à Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, que vendeu os imóveis em 2012, assim como outros 23 em 13 ruas da cidade. A transação rendeu R$ 53,9 milhões.

No ano passado, a ordem de despejo de cinco lojas teve grande repercussão. Além da Guitarra de Prata, famosa por receber músicos como Pixinguinha, Dorival Caymmi e Baden Powell, outro ameaçado foi o Bar Luiz, fundado em 1887 e aberto no número 39, em 1927. "O melhor chope do Rio", experimentado por gerações de políticos, intelectuais e artistas, também foi salvo da desapropriação pela prefeitura.

Segundo o Opportunity, é muito barulho por pouco. Em nota enviada ao

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, a empresa diz que "reconhece a importância das lojas centenárias" e tem intensificado as aquisições no centro justamente "por acreditar no potencial do mercado ancorado na revitalização do patrimônio histórico e arquitetônico".

Os aluguéis estavam muito abaixo do mercado, sustenta a empresa, que alega ainda que alguns lojistas estão usando o "pretexto da preservação da memória da cidade" para não pagar o aluguel - caso do Bar Luiz, inadimplente desde 2010, conforme o Opportunity . O estabelecimento não respondeu ao

Estado

sobre a dívida.

História.

Arborizada e ocupada por pouco mais de 60 sobrados, com lojas embaixo e estoques nos andares de cima, a rua tem cerca de 300 metros. Seus dois cinemas, ambos fundados no começo do século 20, disputavam os mais ilustres nomes da época, que mantinham cadeiras cativas, como o jurista Rui Barbosa.

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O Íris, antigo Cinematographo Soberano, fundado em 1909, ainda se sustenta com sessões de filmes pornô e de strip-tease. O Cine Ideal, transformado no "templo da house music" por promotores de festas, não funciona mais.

Ligada ao Largo da Carioca e à Praça Tiradentes, a rua data de 1695. Não por acaso é vocacionada à venda de instrumentos musicais, acessórios e partituras: suas lojas serviam aos teatros de revista da praça e aos músicos que se apresentavam nas salas de cinemas.

Estudioso da região, o historiador Antonio Edmilson Rodrigues, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e da PUC-Rio, vê na desapropriação um movimento de tentativa de preservação da história em meio às transformações na região. "É importante que as atividades de referência da rua permaneçam ali. Não dá para abrir um Mc Donald's."

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