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Candelária: após 20 anos, mães ainda têm medo

Chacina de 8 crianças e adolescentes mobiliza protestos todos os anos, mas famílias dos mortos não vão por temor de represálias

Por Roberta Pennafort e RIO
Atualização:

Vinte anos depois da Chacina da Candelária, as famílias das oito crianças e adolescentes mortos por policiais militares nos arredores da igreja no centro do Rio ainda temem represálias. Nenhum parente participa dos atos realizados anualmente para lembrar as vítimas e o horror do crime.

"Para muita gente, não foi chacina, mas faxina, por eles estarem na rua", conta Patrícia Oliveira, irmã do sobrevivente Wagner dos Santos. "Por isso, as cinco mães que estão vivas se sentem discriminadas e visadas. Ainda mais depois que o Emmanuel foi solto."

Emmanuel é Marcus Vinícius Borges Emmanuel, único PM condenado pelo massacre que continuava na cadeia. Sua pena era de 300 anos de prisão, mas há um ano ele obteve um indulto. O Ministério Público pediu que ele voltasse ao presídio Bangu 6, e a Justiça determinou sua captura. Está foragido.

"Ele jamais poderia ser indultado. O que a gente tem visto é que esses indultos anuais têm sido usados para abrir vagas nos presídios", argumenta o promotor Fabiano Rangel Moreira. Outros dois PMs condenados, Marcos Aurélio Dias Alcântara, sentenciado a 204 anos, e Nélson Oliveira dos Santos, a 261 e, depois, a 45 anos, também estão nas ruas. Um quarto homem morreu.

Patrícia é a única parente de voz ativa. Está na linha de frente da organização de manifestações como as realizadas quinta e sexta-feira aos pés da igreja. Grupos vindos de outros municípios fluminenses, de São Paulo e da Bahia se juntaram trazendo para o altar fotos de seus parentes jovens vitimados.

Movimentos sociais ajudaram a encher a nave. Na passeata que saiu da igreja pela Avenida Rio Branco, faixas pediam a desmilitarização da polícia, o fim do recolhimento e internação compulsória de quem vive nas ruas e o cumprimento pleno do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Mães das vítimas de outras quatro chacinas que se seguiram à da Candelária, todas de responsabilidade de PMs e contra jovens negros e pobres, somam suas lágrimas nessas manifestações - Vigário Geral, em 1993, com 21 mortos, Borel, em 2003, com quatro, Via Show, em 2003, também com quatro, Baixada Fluminense, em 2005, com 29. O lema é "Esquecer é permitir, lembrar é reagir".

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"As mães da Candelária têm medo de morrer. Eu não tenho mais. Meu maior medo era perder meus filhos, e isso eu já perdi", dizia, sexta-feira, a dona de casa Elizabeth Medina, mãe de Rafael e Renan, mortos juntos aos 18 e 13 anos.

Crime.

Mais de 70 crianças e jovens dormiam na área da Candelária na madrugada de 23 de julho de 1993, quando os carros com PMs chegaram. Quatro foram executados ali mesmo. Outro morreu dias depois, internado. Dois foram levados até o Aterro do Flamengo e assassinados. Seis tinham de 11 a 17 anos; havia um de 18 e outro de 19.

Baleado novamente em 1994, Wagner dos Santos, a principal testemunha, vive na Suíça. Sofre sequelas como esterilidade, cegueira de um olho e surdez de um ouvido. Patrícia é seu elo com o Brasil. "Por aqui não mudou muita coisa, o Rio continua um barril de pólvora. Não se mata tanto, mas ainda se desaparece muito", ela lamenta.

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