Cabo perde olho em treino da tropa de choque

Policial recebeu bala de borracha no olho; ele estava entre os praças que desempenhavam papel de manifestantes reprimidos por oficiais em exercício

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Por Marcelo Godoy
Atualização:

Um cabo da Polícia Militar perdeu a visão de um dos olhos ao ser atingido por uma bala de borracha em uma aula sobre controle de distúrbio civil (CDC). Para aproximar o treino da realidade, o tenente responsável pela instrução de um grupo de oficiais escalou cerca de 30 praças para o papel de manifestantes. O fato ocorreu anteontem à tarde no pátio do quartel do 3.º Batalhão de Choque, no Parque Dom Pedro, centro de São Paulo.Um grupo de 15 a 20 oficiais de diversos batalhões da PM fazia o chamado curso de CDC para atuar em passeatas, reintegrações de posse, tumultos, protestos e outras situações enfrentadas pelo policiamento de choque. O responsável pela instrução seria o primeiro-tenente Mosna. O oficial convocou cerca de 30 praças do 4.º pelotão da 2.ª Companhia do Batalhão. Eles deviam desempenhar o papel de baderneiros que seriam controlados pelos PMs (oficiais).Um suposto descuido teria feito com que parte da munição usada no treinamento fosse aquela conhecida como bala de borracha (elastômero). Foi montado no pátio do quartel um cenário para que os oficiais recebessem o treinamento. Momentos depois de iniciada a aula, o cabo Daniel Fabrício dos Reis, de 30 anos, foi atingido por um disparo. O impacto jogou o policial ao chão. De acordo com policiais ouvidos pelo Estado, mesmo depois do ferimento do praça, a instrução de antidistúrbio prosseguiu por quase duas horas.De acordo com a versão desses policiais, um sargento teve de se insubordinar para exigir que o policial ferido fosse socorrido. O cabo foi levado pelos colegas para o pronto-socorro do Hospital Vergueiro.Constatada a gravidade da lesão, o policial foi transferido para a Santa Casa. Ali, os médicos verificaram que a munição de borracha teria entrado no globo ocular do cabo, confirmando a suspeita dos colegas que o socorreram. O caso deixou indignados os praças do 3.º Batalhão de Choque, que se solidarizaram com o colega. "Vocês têm de mostrar o que ocorreu", disse um dos PMs ao Estado.Recentemente, o policial ferido havia pedido transferência para uma cidade no interior do Estado, a fim de acompanhar de perto o tratamento médico de sua mãe, que está doente. O 3.º Batalhão de Choque, onde tudo ocorreu, é uma das cinco unidades que formam o Comando de Policiamento de Choque - quatro batalhões e o regimento de cavalaria. Suas funções são o controle de distúrbios civis e a escolta de presos.Estável. O Estado procurou o Comando da PM. Queria entrevistar o tenente apontado como o responsável pelo treinamento e o comandante da unidade, tenente-coronel Sérgio de Souza Merlo. O comando, no entanto, limitou-se a divulgar uma nota oficial sobre o caso. Em cinco linhas, a corporação informava que o policial permanecia internado na Santa Casa e dizia que seu estado de saúde era estável.Também afirmava que o competente inquérito policial militar e a sindicância haviam sido abertos na Seção de Justiça e Disciplina do batalhão para apurar os fatos, mas não especificava a patente de quem seria encarregado para presidir o feito - caso o suspeito de ter cometido o crime militar seja um oficial, somente alguém de patente superior ou de mesma patente, porém, mais antigo na tropa, poderia presidir o inquérito. A nota terminava informando que a PM estava dando "todo apoio ao profissional e aos seus familiares".

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