Bombas e tiros da PM cegam menina em Paraisópolis

Desde novembro, policiais invadem favela para obrigar comércio a fechar as portas, segundo denúncia de moradores ao governo

PUBLICIDADE

Por Bruno Paes Manso
Atualização:

SÃO PAULO - Uma menina de 17 anos saiu na noite de sábado com o irmão e o namorado em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Era madrugada de 12 de janeiro quando eles chegaram à Rua Melchior Giola, centro comercial do bairro, com pizzarias, sorveterias, bares e jovens na rua. Policiais militares surgiram em cinco viaturas lançando bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo, disparando tiros de borracha para obrigar o comércio a fechar. A menina se escondeu atrás de uma árvore e recebeu um disparo de bala de borracha no olho esquerdo, que a deixou cega.

PUBLICIDADE

O ferimento da menina foi um dos relatos entre 40 depoimentos apresentados à Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP) na semana passada descrevendo os abusos da Polícia Militar em Paraisópolis. Segundo os moradores, desde novembro, integrantes da PM entram nas ruas do bairro para estabelecer a lei do silêncio a comerciantes e jovens. As acusações estão sendo apuradas pela Corregedoria da PM e pela Delegacia Geral.

Em Paraisópolis, conforme os moradores relataram ao Estado, os procedimentos violentos começaram depois que a PM encontrou, em outubro do ano passado, uma lista com o nome de 40 policiais supostamente marcados para morrer. A lista seria um "salve" (ordem) feito por integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) durante a onda de ataques no segundo semestre do ano passado.

Com as incursões da PM, um dono de bar disse que passou a vender cerveja só com fichas para evitar prejuízos. Os policiais soltavam as bombas e obrigavam todos a correrem sem pagar a conta. O mesmo problema foi enfrentado por donos de pizzarias e restaurantes da rua.

Outro morador que dá som em festas privadas no bairro relatou que, no começo do ano, os policiais jogaram uma bomba na laje em que ele tocava músicas em uma festa de aniversário. "Eles passaram a tratar a todos como traficantes. É como se todos nós fôssemos cúmplices do tráfico", disse o DJ.

Anonimato. Ao contrário do que ocorreu outras vezes em Paraisópolis, e do que ocorre também em outros bairros de periferia, agora os moradores se organizaram para tentar denunciar os abusos dos policiais. Os depoimentos, todos anônimos, foram colhidos pela ONG Tribunal Popular. Eles também reuniram fotos e vídeos para levar à SSP. Foram ainda enviados os números das placas das viaturas e o nome do principal oficial acusado das arbitrariedades. Na favela, o grupo de policiais violentos é conhecido como o "bonde do careca".

"Nós temos ciência do que é viver no terror. Só que esse medo não pode diminuir nossa força para denunciar e lutar", diz a psicóloga Marisa Feffermann, do Tribunal Popular.

Publicidade

A defensora pública Daniela Skromov acredita que é preciso repensar as maneiras de se viabilizar as denúncias de abusos de autoridade, sem que as vítimas fiquem expostas ao risco. Os familiares da jovem atingida pelo disparo no olho, por exemplo, preferiram se esquivar. Eles estão com medo de sofrer retaliações dos PMs, que continuam em Paraisópolis.

Os programas de proteção à testemunha faria com que as vítimas deixassem a favela. "Quem acaba sendo penalizado, nesses casos, são as vítimas", avalia a defensora. "O Estado não deve esperar denúncias para começar a investigar. E quando ocorrem, os suspeitos devem ser afastados", diz.

Prótese. A jovem de 17 anos vai passar por três novas cirurgias e terá de viver com uma prótese no lugar do olho. Enquanto isso, ela mantém as pálpebras costuradas e evita sair de casa. No ano passado, a família dela já havia perdido um filho supostamente assassinado por PMs.

"Ocorreram casos semelhantes em Paraisópolis que não foram apurados. Por isso, as situações se repetem cada vez com mais gravidades", afirma a desembargadora Kenarik Boujikian, cofundadora da Associação Juízes para Democracia.

PUBLICIDADE

A SSP-SP informou, por meio de nota, que já havia determinado a apuração imediata, tanto pela Polícia Civil quanto no âmbito da Corregedoria da PM, das denúncias encaminhadas pelas entidades.

No caso da adolescente que perdeu a visão, segundo informou a nota, a Corregedoria da PM já havia chamado a vítima e familiares para prestarem esclarecimentos a fim de ajudar nas apurações - até hoje, no entanto, ninguém compareceu para depor. Um Inquérito Policial Militar (IPM) foi aberto para investigar o caso e está em andamento.

Sobre as demais ações de PMs denunciadas, o caso está sendo apurado no âmbito do Comando de Policiamento de Área Metropolitano-5. O objetivo é identificar os policiais acusados de práticas abusivas.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.