Avião que caiu com Roger Agnelli não podia fazer voo privado

Sete pessoas morreram no acidente, em 2016; aeronave também não tinha permissão para sobrevoar 'áreas densamente povoadas'

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Por Priscila Mengue
Atualização:

SÃO PAULO - Mais de três anos após o acidente, um relatório aponta que o avião que transportava o empresário e ex-presidente da Vale Roger Agnelli não tinha autorização para utilizar o aeroporto do Campo de Marte, na cidade de São Paulo. A aeronave caiu em março de 2016, deixando sete mortos, dentre passageiros e o piloto.

Avião caiu sobre uma residência em março de 2016 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Segundo relatório do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), o avião não poderia circular em "áreas densamente povoadas". "Dessa forma, o pouso e a tentativa de decolagem do PR-ZRA em SBMT (Campo de Marte), sem autorização especial de autoridade competente, caracterizou a violação de requisitos."

Além disso, o texto aponta que a aeronave (de propriedade de Agnelli e de construção amadora) tinha autorização apenas para educação e recreação de quem as construiu, por ser considerada "experimental". Ela não poderia, portanto, ser utilizada para o transporte privado de passageiros. 

"A informalidade presente no âmbito da aviação experimental, associada à ausência de sistemas de apoio, pode ter resultado em uma inadequação nos trabalhos de preparação para o voo, particularmente no que diz respeito à degradação do desempenho frente a condições adversas (peso, altitude e temperatura elevados), comprometendo a qualidade do planejamento executado, contribuindo dessa forma para que fosse realizada uma decolagem sob condições marginais.", diz o relatório.

Roger Agnelli era empresário e foi presidente da Vale Foto: Alex Silva/Estadão

Na data do acidente, Agnelli viajava para o Rio de Janeiro com familiares para um compromisso social. A aeronave havia saído de Campo de Marte por volta das 17 horas, alcançando pouco menos de 20 metros antes de cair. 

O relatório aponta que o avião já apresentava comportamento anormal desde a decolagem. "A saída do solo ocorreu, aparentemente, após o campo de futebol do clube esportivo localizado próximo à pista, do lado direito, nas imediações da pista de táxi 'D'. Essa distância de decolagem não era normalmente observada quando se tratava de tráfegos equipados com motores convencionais ou turboélices e, sim, de aeronaves a jato", diz o texto.

"Segundo um desses controladores, que observava a corrida da aeronave no solo, ela teve dificuldade em alçar voo, o que o fez chamar a atenção dos demais colegas de turno. Aqueles que observaram a decolagem do PR-ZRA também tiveram a impressão de que o avião saiu do solo com certa dificuldade, em curva de pequena inclinação à direita. Eles acompanharam a trajetória à direita até que o PR-ZRA saiu do campo de visão e, logo depois, observaram a fumaça subindo do solo."

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O relatório aponta que uma varredura na pista após o acidente não encontrou qualquer material que pudesse ter se despreendido da aeronave. Além disso, os bombeiros também não identificaram indícios de qualquer colisão, embora tivessem aves na região.

Exames e testes apontaram que o motor funcionava normalmente e "produzia potência elevada no momento do impacto". "Pelo que foi apurado junto aos profissionais que controlavam a aeronave na Torre Marte, nenhuma indicação de falha mecânica foi observada durante a decolagem. Além disso, não foi constatada anormalidade no combustível utilizado pelo PR-ZRA."

O relatório destaca que, devido ao grau de destruição da aeronave, não foi possível aferir se ocorreu falha nos comandos de voo ou na superfície de sustentação. "No entanto, as imagens colhidas pelas câmeras de segurança e os depoimentos dos controladores de voo permitiram classificar como remota essa possibilidade."

O avião havia sido montado pela empresa Sitrez, que também era responsável por fazer uma inspeção anual, sendo a última realizada em 2014. Também estavam desatualizadas as de célula, motor e hélice sobre as horas voadas após a inspeção. 

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Além disso, o texto aponta uma "grande variação entre os dados publicados pelo fabricante" e os informados à ANAC para a obtenção do Certificado de Autorização de Voo Experimental (CAVE).

"Entre a informação divulgada pelo fabricante (3.492kg) e o valor para o qual a aeronave havia recebido sua autorização de voo experimental (3.900kg) havia uma diferença, para mais, da ordem de 408kg. Considerando os cálculos da comissão de investigação, no momento da decolagem, o avião estaria 323kg acima do peso máximo estipulado pelo fabricante."

"É possível que a altitude da pista (2.369ft) e a temperatura elevada (31°C), associadas ao peso próximo ao máximo de decolagem, tenham degradado o desempenho da aeronave, o que explicaria a dificuldade, observada pelos controladores de voo e registrada pelas câmeras do aeroporto, para ganhar altura."

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Ainda segundo o relatório, o piloto estava com o Certificado Médico Aeronáutico (CMA) e as habilitações de Avião Monomotor Terrestre (MNTE) e Voo por Instrumentos - Avião (IFRA) válidas, além de ter experiência em voo. O texto também ressaltou que "as condições meteorológicas eram propícias à realização do voo".

"Nesse contexto, a informalidade presente no âmbito da aviação experimental, associada à ausência de sistemas de apoio, pode ter provocado uma inadequação nos trabalhos de preparação para o voo, particularmente no que diz respeito à degradação do desempenho frente a condições adversas (peso, altitude e temperatura elevados), e comprometido a qualidade do planejamento executado, contribuindo dessa forma para que fosse realizada uma decolagem sob condições marginais."

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