03 de março de 2013 | 02h04
No caso atual, posso alegar que a culpa é de Dom Pedro I, a propósito da recente exumação de seus ossos, pelo visto duros de roer. Antes de me ocupar aqui de seus despojos, domingo passado, me detive no retrato famoso, pintado por Benedito Calixto, em que Sua Alteza Imperial é vista assim de ladinho, as melenas alvoroçadas como se diante de um ventilador (ou do abano das mucamas), o pescoço embalado em colarinho alto. No peito que há quase 200 anos se inflou para dar aquele berro às margens do Ipiranga, cintila uma comenda, contrariando os historiadores para quem o cara desdenhava honrarias e seus atavios.
O que mais me chama a atenção nessa imagem do proclamador da nossa independência são seus pilosos adornos faciais. Se você não tem sob os olhos uma reprodução do quadro, terá que se bastar com a descrição que se segue. Digamos que as barbas de Dom Pedro nascem das narinas - ou para elas convergem? -, sob a forma de dois chumaços que contornam o baixo das bochechas para mais acima se fundirem com as costeletas. Como tudo o mais, pensei, esse arranjo deve ter um nome.
Fui ao Google - e por pouco não me perdi, como sempre que ali me embrenho na busca de alguma coisa. Mesmo que ache a coisa, nunca faço imediatamente o caminho de volta, pois a coisa me leva a outra, e essa a uma terceira... Quando dou por mim, já nem sei o que fui procurar. Nas incursões Google adentro, eu precisaria ter aquelas pedrinhas com que o Joãozinho e a Maria marcaram seu caminho na floresta, para saber como voltar. Para ficar nessa imagem duplamente infantil, no Google tenho usado, não pedras, mas bolinhas de miolo de pão, que nem o casalzinho numa frustrada tentativa, bolinhas que os vorazes pássaros daquele médico alemão, como é mesmo o nome dele?, devoram, junto, quem sabe, com meus próprios miolos. Custo a emergir do labirinto. O mesmo me acontece também ao consultar o dicionário: quando vejo, estou a léguas do objeto da curiosidade inicial.
Que parágrafo, meu Deus. Voltemos às pilosidades de Pedro I. Posso uma vez mais estar enganado, mas creio ter conseguido identificá-las numa lâmina em que especialistas (sim, os há!) catalogaram todo tipo de barbas. Não falta sequer a barba-colar, também conhecida como "passa-piolho", da Maria Francisca das Chagas Werneck. Você leu bem: uma criatura do sexo feminino de meu clã familiar, que viveu no século 19 e entre nós fatalmente ficou sendo a "prima barbada de Maçambará", à qual já dediquei uma crônica. Desinibida, a Chiquinha (talvez a chamassem assim na intimidade) deixou-se retratar por um pintor. Numa demonstração de que a vaidade pode às vezes eleger objetos inesperados, ela fez o artista esperar semanas, até que os pelos, mais frondosos que o mais encorpado buço, ganhassem volume.
Não acredita? Vou perguntar à editora desta página se ela topa ilustrar a crônica com o tal retrato da prima barbada, de modo a mostrar que 1) não estou inventando e 2) que a parenta, apesar de seu ornamento mandibular, não era isso que você está pensando.
Mas desconfio que não vai caber. Olha só, acabou o espaço - e nem contei ainda que as barbas de Dom Pedro I têm nome, e nome francês: "à la Souvarov". Quem? Um general russo, ensina o sábio amigo Luís Augusto de Lima, que me repassa a sua perplexidade: em seus retratos conhecidos, o Souvarov se apresenta impecavelmente escanhoado. Vai ver que ele, ao contrário da prima Chiquinha, não quis entrar barbado na posteridade.
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