Após 7 anos sem licitação, empresas dão desconto de R$ 170 mi na varrição em SP

Redução equivale a 20% do que a Prefeitura paga por ano pelo serviço desde 2014, quando contrato acabou; nos últimos quatro anos, Município e companhias assinaram acordos emergenciais, que custaram mais caro para o paulistano

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Por e Marcelo Godoy
Atualização:

SÃO PAULO - Após sete anos sem fazer licitação para varrição de ruas, a cidade de São Paulo pode pagar R$ 171 milhões a menos por ano pelo serviço na cidade. A redução de cerca de 20% do preço do serviço em relação ao valor de referência da licitação em andamento na Prefeitura é o cenário que surgiu das melhores propostas das empresas classificadas. Ainda falta a fase de qualificação técnica para a homologação do resultado. Mas, mesmo que uma ou duas das empresas mais bem colocadas sejam desqualificadas, outras concorrentes apresentaram preços semelhantes, o que deve fazer o resultado se alterar pouco. Assinado pela gestão Gilberto Kassab (PSD), em 2011, o contrato da varrição terminou em 2014. Desde então, o serviço nas ruas da capital foi prorrogado pela gestão de Fernando Haddad (PT) por duas vezes e também por duas vezes pela gestão Bruno Covas (PSDB).

Atual contrato de varrição de São Paulo vence no dia 14 de dezembro Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Em valores atualizados, a Prefeitura pagou o equivalente a R$ 1,1 bilhão por ano pelo serviço a partir de 2011, passou a desembolsar R$ 1 bilhão em 2014 e R$ 966 milhões em 2018, valor quase idêntico ao de referência para o contrato que a administração pretende agora fechar, até que a concorrência entre as empresas levou à redução do preço.

A dança dos números chamou a atenção do Ministério Público Estadual. O promotor público de Defesa do Patrimônio Público José Carlos Blat afirmou ao Estado que é preciso verificar a razão de os valores serem tão díspares, pois eles poderiam estar superdimensionados. “Isso precisa ser verificado. Merece uma atenção especial essa ‘black friday’ promovida pelas empresas da varrição.”

O atual contrato de emergência da Prefeitura vence no dia 14 de dezembro. A Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb) informou que não é possível usar as propostas apresentadas pelas empresas como referência para novos contratos de emergência porque “é preciso analisar a viabilidade técnica”. “Nesse momento, é prematuro afirmar qual o porcentual de economia no contrato”, disse o diretor de gestão de serviços da Amlurb, Evaldo Azevedo.

As empresas que hoje fazem a varrição dizem que a redução de preço pode ser feita apenas com a queda da qualidade do serviço. As empresas que ofereceram os preços menores discordam. Se estivessem em vigência desde 2011, os novos valores ofertados pelas empresas da varrição teriam feito a Prefeitura economizar mais de R$ 1 bilhão. 

Uma das explicações de executivos do setor para a diferença de preços é a concorrência. Em 2011, a cidade foi dividida em dois lotes, o que teria limitado a disputa. Em 2014, quando o contrato foi prorrogado, só três consórcios disputavam o contrato. Agora, com a cidade dividida em seis lotes, a disputa envolveu até 14 empresas. E a economia podia ser ainda maior. Isso porque cada empresa só pôde se sagrar vencedora de um lote. Mas uma empresa apresentou os menores preços para quatro lotes e terá de abrir mão de três deles. Caso isso não ocorresse, a economia chegaria a R$ 196 milhões.

Polêmicas. O contrato da varrição de lixo é cercado de polêmicas. O Tribunal de Contas do Município (TCM), que chegou a barrar uma licitação para a varrição em 2017, requereu na quarta-feira informações à Prefeitura sobre os prazos para análise das propostas atuais. O conselheiro Maurício Faria questiona o fato de os valores já serem conhecidos desde o dia 12, sem que até agora a Prefeitura tenha divulgado a análise dos atestados de capacidade técnica necessários para o processo continuar. Segundo a Prefeitura, isso não foi feito porque o prazo para recursos se encerra na terça-feira.

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Enquanto isso, a Controladoria-Geral do Município (CGM) abriu dois procedimentos. Um apurou se os contratos de emergência firmados pela gestão Covas estavam sendo cumpridos. “A auditoria checou, por amostragem, trabalhos na região central, tendo apurado o grau de execução dos serviços contratados, sem análise retrospectiva de preços.” A segunda auditoria fez um acompanhamento preventivo na licitação em curso. “Foram levantadas oportunidades de melhoria no tocante à redução de custos ao erário e de mitigação de riscos (controle, medição, preço, modelo de custo).”

Segundo informou a nota da CGM, priorizou-se “a fiscalização do contrato vigente e o vindouro, com vistas à redução de custos e riscos” e “mais imediatos com melhores resultados para a população”.

Sindicato vai à Justiça para tentar barrar novo contrato

O Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb), do qual faz parte a maioria das empresas da atual varrição de ruas, entrou com dois mandados de segurança na Justiça contra a licitação em andamento. “Falta o estudo de viabilidade técnica-financeira, que é uma exigência legal”, disse o advogado Wladimir Ribeiro, do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, que defende a Selurb. “Esse tipo de situação em que o modelo de serviço não está claro é que viabiliza a corrupção”, afirmou.

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O Selurb teve um pedido de liminar negado pela Justiça e aguarda o julgamento de outro. Na sexta-feira, a 15.ª Vara da Fazenda Pública julgou improcedente um mandado de segurança da Cavo Serviços e Saneamento S.A., que tentava impugnar o edital da licitação. A Cavo é uma das empresas atuais da varrição.

José Aleixo de Carvalho, diretor da Marquise, a única empresa que ofereceu um preço acima do valor de referência do edital, disse que os valores têm de ser compatíveis com a cidade de São Paulo. Segundo ele, o aumento da concorrência é salutar para o setor quando se mantém condições iguais para as empresas. “Apresentamos um preço que acreditamos ser o correto.”

A Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb) informou que a gestão de Bruno Covas já conseguiu reduzir o valor dos contratos antes da atual licitação. “Vale ressaltar que em 2016 os contratos de serviços de limpeza urbana (indivisíveis) eram de cerca de R$ 1 bilhão. Somados os últimos dois emergenciais, de 2017 e 2018, ainda há uma economia aproximada de R$ 165 milhões aos cofres do Município.” Segundo ela, “o valor de referência para a licitação atual é resultado de orçamentos realizados pela administração”.

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Opção. Secretário de Serviços na gestão Fernando Haddad (PT), Simão Pedro afirma que, em 2014, a gestão optou por manter os contratos vigentes em razão da oferta das empresas do setor, que se comprometeram a incluir mais serviços no escopo do contrato, como assumirem a responsabilidade de poda da vegetação de algumas áreas. Ele disse que, no fim da gestão, foi acordado com a equipe de João Doria (PSDB) que o contrato seria renovado outra vez para que a nova gestão fizesse a licitação.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de Serviços de Asseio, Conservação e Limpeza Urbana de São Paulo (Siemaco), Moacyr Pereira, afirma não ver como positiva uma eventual redução dos custos de varrição. “Hoje, a produtividade de um varredor é de 5 a 6 quilômetros de varrição por dia. Com os novos contratos, isso pode subir para 7 quilômetros, com redução de postos de trabalho”, afirma. 

Correções

Diferentemente do que o texto informava, o promotor José Carlos Blat não é o secretário da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e Social.

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