Apesar de promessa, 254 servidores da Câmara de SP ganham acima do teto

Ao assumir presidência da Casa, Milton Leite disse que o Legislativo não teria funcionários com salários maiores que R$ 24,1 mil, equivalente ao do prefeito. Após um ano e meio, há empregado que recebe até R$ 59 mil - e o valor pode subir mais

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Por Bruno Ribeiro
Atualização:
Fachada da Câmara de Vereadores de SP Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Passado um ano e meio da promessa feita pelo presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite (DEM), de que o Legislativo municipal não teria mais servidores com ganhos acima do teto constitucional, 254 funcionários ainda possuem vencimentos mensais que extrapolam o limite, chegando a até R$ 59 mil. E os valores ainda podem subir, graças à aprovação, há duas semanas, de um projeto de lei que concede reajuste de até 77% em uma das gratificações recebidas por parte dos servidores. O texto ainda precisa ser sancionado para entrar em vigor. 

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Dos servidores que ganham salários acima do teto, 121 são concursados e estão em atividade e 133, aposentados. Em janeiro de 2017, quando Leite assumiu, eram 303. Por determinação dele, os salários foram reduzidos ao teto, que na cidade é o salário do prefeito (R$ 24,1 mil), com exceção dos procuradores (R$ 30,4 mil). Mas a maioria continua ganhando acima do teto por causa das gratificações, que não entram no cálculo.

Dos 303 que tiveram salário reduzido, 250 entraram na Justiça contra a medida e 240 perderam, segundo a Câmara. Os outros dez casos estão em processo. Hoje, as gratificações custam R$ 13 milhões por ano aos cofres públicos. Com o aumento aprovado, o valor pode ser acrescido de mais R$ 5,4 milhões anuais.

++ Câmara de SP aprova auxílio-saúde para vereadores

A aprovação do reajuste das gratificações - que chegam a até R$ 16 mil mensais - vem causando saia justa entre os vereadores. Parte diz que o aumento foi um “jabuti”, uma emenda aprovada dentro de outro projeto de lei que não havia sido discutido - no caso, um projeto que criou auxílio-creche e auxílio-saúde para os servidores da Casa.

Por causa desse argumento, nesta terça-feira, 5, na reunião semanal dos líderes das bancadas partidárias, o PSDB e o PSB (que têm 11 dos 55 vereadores) pediram para que o aumento seja derrubado. O veto será analisado pelo próprio Leite, que assumirá a Prefeitura na semana que vem, quando Bruno Covas (PSDB) se ausentará para viagem oficial. 

Na reunião, Milton Leite reagiu às afirmações de que o projeto tinha sido aprovado na surdina. “Todos os vereadores tiveram oportunidade de ler e de discutir o projeto”, disse o presidente da Câmara aos colegas. Ele não deu entrevistas sobre o caso. Procurado, afirmou que vai ouvir todos os parlamentares que participaram da votação para decidir se vetará ou não o texto.

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“Esse reajuste não fazia parte das nossas reivindicações. Soubemos depois da aprovação”, disse Sônia Alves, vice-presidente do Sindicato dos Servidores da Câmara Municipal e do Tribunal de Contas (Sindilex). Ela quer que, caso haja veto ao projeto aprovado no Legislativo, o auxílio-creche e de saúde - esses sim de sua pauta - sejam mantidos.

Recorrente. Outras tentativas de conter os supersalários já foram feitas - e derrubadas pela própria Câmara. Em 2012, o Legislativo havia suspenso pagamentos acima do teto, liberando só o 13.º salário, o abono de permanência (pago a quem já pode se aposentar, mas continua na ativa) e o 1/3 das férias. Mas, no ano seguinte, no feriado de 1.º de maio, a Mesa Diretora incluiu a função gratificada na lista de verbas fora do teto, voltando a liberar pagamento acima do limite.

Desta vez, a estratégia foi diferente. Com o corte promovido em 2017, parte dos servidores perdeu salário. Quem ganhava R$ 28 mil , por exemplo, passou a receber R$ 24,1 mil (teto). Mas o reajuste da função gratificada, aprovado há duas semanas pelos vereadores, chegou a até 77% (de cerca de R$ 10 mil para R$ 16 mil). Isso pode “devolver” essas perdas de rendimento a quem teve o salário cortado.

O que diz a lei. O artigo 37 da Constituição define que as chamadas verbas indenizatórias, como auxílio-transporte, não são incluídas no cálculo do teto. Em São Paulo, um decreto vai além e determina que a “função gratificada”, paga a servidores da Câmara com cargo de chefia, é uma dessas verbas. 

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Especialistas afirmam que é preciso analisar o teor da gratificação. “Se o valor é um subsídio, tem de ser incluído no cálculo do teto”, diz, em tese, a professora de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Gabriela Zancaner Bandeira de Mello. 

“A verba indenizatória é um gasto que o servidor teve no cumprimento de sua função, como uma viagem. Não é só porque há uma portaria ou um decreto estabelecendo que uma gratificação é indenizatória que ela de fato é”, afirma Adib Kassouf Sad, da Comissão de Direito Administrativo da Seção Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP). 

AS REGRAS VIGENTES

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O que diz a Constituição O artigo 37 estabelece que o teto para servidores municipais é o salário do prefeito (R$ 24,1 mil em São Paulo). Segundo o parágrafo 11 do artigo, parcelas de caráter indenizatório previstas em lei não são computadas no cálculo do limite salarial.

Como a Câmara entende A Lei Municipal 13.637/2003 criou o benefício da função gratificada para aqueles que têm atividades de direção, chefia e assessoramento. Outra regra, o Ato 1.142 de 2011 da Câmara, lista as verbas indenizatórias que ficam fora do teto, regulamentando o parágrafo 11 do artigo 37 da Constituição. Inclui ajuda de custo, auxílio-refeição, auxílio-transporte, além da função gratificada. Também está fora o abono de permanência - bônus ao servidor que pode se aposentar, mas segue no cargo.

Como a regra é aplicada A função gratificada é dividida em 4 faixas salariais e a gratificação, calculada em cima da função exercida. O secretário-geral da Câmara, por exemplo, tem direito à função gratificada 4 - de R$ 10.114,26 e que vai a R$ 16.186,27, se sancionado o projeto aprovado pela Câmara

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