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Análise: Térreos livres

Qual será a postura dos condomínios quando os mendigos vierem dormir debaixo dos prédios?

Por Henrique de Carvalho
Atualização:

Térreos livres ou ativados por funções variadas são uma excelente iniciativa para incentivar a produção de uma arquitetura mais integrada à vida e ao dia a dia das pessoas.

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Apesar de ser um tema que recentemente voltou ao debate, este modo de fazer arquitetura não é invenção de hoje. Exemplo recorrente para entendermos do que se trata é o Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, que é nossa Praça San Marco, de Veneza, feita aqui toda coberta e sem igreja.

A arquitetura modernista, no século 20, já usava destes recursos para prover os edifícios com áreas de convivência, comércio, permeabilidade de fluxos e dispositivos para a economia de tempo dos que moram, trabalham e por ali passam todos os dias. Uma facilidade para a vida cotidiana e para aproveitarmos melhor nosso tempo em espaços mais agradáveis, ajardinados, de campo visual mais aberto, generosamente partilhados ao convívio em uma cidade que carece demasiadamente destes espaços livres urbanos.

O prédio na esquina da Rua Augusta com a Avenida Paulista foi inaugurado nos anos 1950 Foto: SÉRGIO CASTRO/ESTADÃO

O sonho é bonito, mas olhando ao redor existe a inegável complexidade com a qual deveremos lidar. Descaminhos levaram nossas praças a se degradarem em hostilidade e as ruas a ficarem mais e mais tumultuadas, violentas e perigosas de se caminhar, expondo em carne viva fragilidades sociais cultivadas ao longo de 517 anos. Será que os incorporadores vão aderir? Qual será a postura dos condomínios quando os mendigos vierem dormir debaixo dos prédios? Serão os térreos livres reduzidos a praças com grades? Em passado recente, proposta similar foi oferecida para a ocupação da nova Faria Lima, inclusive com incentivos semelhantes, e ninguém aderiu.

Certamente os arquitetos têm muito a explorar a partir deste formato. Todos querem projetar algo pra cidade ser um pouco melhor. Resta aos investidores e incorporadores imobiliários aderirem à causa e aceitarem modos diferentes de ocupação dos lotes como forma de incentivo para melhoria e valorização do lugar onde todos vivem.

HENRIQUE DE CARVALHO É ARQUITETO E URBANISTA, SÓCIO DO ATELIÊ TANTA

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