Análise: Culpamos a chuva pelos problemas que os humanos criaram
Precisamos definir outras saídas e rever o modelo de cidade de uma forma mais profunda
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Por José Bueno
Atualização:
Quando retificaram os Rios Pinheiros e Tietê décadas atrás, se pensava que aquela água de São Paulo tinha ido embora, que não iria mais ter cheia ou transbordamento. Assim como foi com a canalização dos córregos do Leitão e do Arruda em Belo Horizonte, na década de 1960, apresentada como solução para “domar” as águas e a cidade poder crescer sem perturbação. A cidade e a sociedade da época aplaudiram, as pessoas quiseram isso. Mas a solução prometida não se cumpriu, ela é o problema de hoje.
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Não é uma exclusividade de Belo Horizonte ou de São Paulo, isso vai acontecer em qualquer outro lugar se seguir esse modelo, de canalização dos cursos d’água, de impermeabilização, de enterrar cada vez mais os rios. Se fala em rio no passado em São Paulo, que a cidade tinha rios, mas eles ainda estão aqui.
Convido o leitor a ir até a janela e ver: o que tem de solo permeável? A gente aceitou o conforto, a limpeza, a ausência de barro. A solução é complexa porque é uma metrópole enorme, mas precisamos cobrar soluções mais inteligentes. Estamos culpando a chuva, que é a resposta mais bizarra: atribuir à chuva os problemas que os humanos criaram. Estamos lidando com as consequências do que a gente escolheu, precisamos repensar as nossas escolhas. Somos sapos dentro de uma panela que está esquentando.
A gente precisa definir outras saídas. É esperada essa resposta dos órgãos públicos: de que a culpa é das mudanças climáticas, do volume de chuva, dos bueiros entupidos. Achar que obras de engenharia vão resolver é reproduzir a lógica da memória velha. A gente não pode acreditar que a solução será a prefeitura enterrar mais fundo os rios, criar mais piscinões. Não caiam nessa cilada, é uma resposta fácil para um problema maior.
Precisamos rever o modelo de cidadede uma forma mais profunda. A chuva levanta um grande espelho para a gente poder se ver melhor, perceber que tomamos decisões erradas, que impactam do cara da periferia que vive em área de manancial até o rico do condomínio que não consegue tirar o carro da garagem.
Chuva forte causa alagamentos em São Paulo
1 / 33Chuva forte causa alagamentos em São Paulo
Trator carrega pessoas na Lapa
Trator faz carreto de pessoas na Av. Marquês de São Vicente, Lapa, um dos bairros mais afetados pela chuva Foto: Ana Carolina Sacoman
Alagamentos em São Paulo
Até caiaque foiusado nas ruas de São Paulo nesta segunda-feira, 10, para enfrentar os alagamentos Foto: Andre Penner/ AP
Alagamentos em São Paulo
Imagem feita sobre a Ponte Júlio de Mesquita Neto, na zona norte da capital, de umpedestre atravessando a Marginal Pinheiros Foto: Felipe Rau/ Estadão
Alagamentos em São Paulo
Homem caminha em ponto de alagamento em São Paulo, nesta segunda-feira, 10 Foto: Andre Penner/ AP
Alagamentos em São Paulo
Fortes chuvas causaramalagamento na avenida Marquês de São Vicentena manhãdesta segunda-feira, 10, em São Paulo Foto: Werther Santana/ Estadão
Alagamentos em São Paulo
Um forte temporal atingiu a capital na madrugada desta segunda-feira, 10, elevando o volume de chuva dos 10 primeiros dias de fevereiro a 208 milímetr... Foto: Miguel Schincariol/ AFPMais
Alagamentos em São Paulo
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), esta é a pior chuva de São Paulo para um mês de fevereiro desde 1983 Foto: Fernando Bizerra/ EFE
Alagamentos em São Paulo
Mulher tenta escapar de alagamento no Butantã, em São Paulo Foto: Rahel Patrasso/ Reuters
Alagamentos em São Paulo
Fortes chuvas causaram alagamento na avenida Doutor Abrahão Ribeiro, próxima ao Fórum Criminal, na zona norte de São Paulo Foto: Werther Santana/ Estadão
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Bombeiros tentam resgatar motoristas com helicóptero na Marginal Tietê, mas desistem e retiram as pessoascom bote Foto: Hélvio Romero/ Estadão
Alagamentos em São Paulo
Resgate com helicóptero na Marginal do Rio Tietê, em São Paulo Foto: Hélvio Romero/ Estadão
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Pessoas precisaram ser resgatadas após oRio Tietêtransbordar e alagar todas as pistas da Marginal na região da Ponte das Bandeiras Foto: Hélvio Romero/ Estadão
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Rio Tietêtransborda e alaga todas as pistas da Marginal na região da Ponte das Bandeiras Foto: Hélvio Romero/ Estadão
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Pedestres atravessam ponto de alagamento na Avenida Marquês de São Vicente, em São Paulo Foto: Werther Santana/ Estadão
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Rio Tietêtransborda e alaga todas as pistas da Marginal na região da Ponte das Bandeiras Foto: Hélvio Romero/ Estadão
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Rua Cônego Araujo, no bairro do Limão, zona norte,alagada devido a forte chuva que atingiu a cidade de São Paulo Foto: Werther Santana/ Estadão
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O rio Tietê transbordou nesta segunda-feira, 10, e interditou a marginalna altura da Ponte da Casa Verde, no sentido Ayrton Senna, na zona norte de Sã... Foto: Werther Santana/ EstadãoMais
Alagamentos em São Paulo
Pessoas ilhadas após o Rio Tietêtransbordar e alagar todas as pistas da Marginal na região da Ponte das Bandeiras Foto: Hélvio Romero/ Estadão
Alagamentos em São Paulo
Marginal Tietêinundada na altura da Ponte do Limão, na zona norte da capital paulista Foto: Werther Santana/ Estadão
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Rio Tietêtransbordoue alagoutodas as pistas da marginal na região da Ponte das Bandeiras Foto: Hélvio Romero/ Estadão
Alagamento em São Paulo
Alagamentos atingem a cidade de São Paulo na manhã desta segunda-feira, 10 Foto: Hélvio Romero/ Estadão
Alagamentos em São Paulo
Temporal desta segunda-feira, 10,foi maior chuva de São Paulo em quase 40 anos Foto: Fernando Bizerra/ EFE
Alagamentos em São Paulo
Última vez que choveu tanto em fevereiro foi em 1983; nesta segunda-feira, 10, foram registrados mais de 130 pontos de alagamento Foto: Fernando Bizerra/ Estadão
Alagamentos em São Paulo
Marginal do Rio Tietê,sentido rodovia Ayrton Senna, vista da ponte Júlio de Mesquita Neto Foto: Felipe Rau/ Estadão
Alagamentos em São Paulo
Ao todo, foram registrados 132 pontos de alagamentos na grande São Paulo durante o início do dia, 66 deles intransitáveis, de acordo com o Centro de G... Foto: Miguel Schincariol/ AFPMais
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Rio Tietêtransbordoue alagoutodas as pistas da Marginal na região da Ponte das Bandeiras, em São Paulo Foto: Hélvio
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Ruas próximas ao terminal intermodal da Barra Funda inundadas após forte chuva que cai desde a madrugada desta segunda-feira, 10 Foto: Werther Santana/ Estadão
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Alagamento na avenidaCruzeiro do Sul, em São Paulo Foto: Hélvio Romero/ Estadão
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Alagamento na Marginal Tietê, sob a Ponte das Bandeiras Foto: Hélvio Romero/ Estadão
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Alagamentos atingem a cidade de São Paulo nesta segunda-feira, 10 Foto: Hélvio Romero/ Estadão
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Registro do alagamento na Marginal Tietê, próximo a Ponte das Bandeiras, em São Paulo Foto: Hélvio Romero/ Estadão
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Mulheres atravessam rua alagada no bairroButantã, em São Paulo Foto: Rahel Patrasso/ Reuters
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Alagamento na avenidaCruzeiro do Sul, em São Paulo, em 10/02/2020 Foto: Hélvio Romero/ Estadão - 10/02/2020
O Joaquin Phoenix falou ontem, no Oscar, que estamos nos desconectando com a natureza. Precisamos incluir a natureza como elemento da cidade, não como algo a ser controlado, soterrado, enterrado, como é a lógica em São Paulo. Quando vamos recuperar os rios soterrados, ter jardins de chuva (jardins rebaixados que captam a água da chuva), calçadas menos impermeabilizadas?
É como uma pessoa que tem um infarto e começa a pensar em mudar os hábitos alimentares, a fazer esporte, a trabalhar menos. O brasileiro gosta de pensar e mudar em um momento extremo de crise, e a gente está nesse extremo. Os órgãos públicos precisam ser humildes e escutarem soluções que não estão dentro dos governos, trazer especialistas que estão lidando com redesenho da cidade, falar com biólogos, permacultores, técnicos especializados.
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Precisamos analisar caso a caso, grande obras não são a solução. Dá para abrir um rio, dá. Mas, quando abrir, vai estar limpo? E os pequenos rios que jogam águas nele? Por que não tratar pequenos trechos, explorar tecnologias e fazer planejamento em pequenas áreas? Deu certo? Vamos fazer de novo. O que não pode é deixar a chuva passar, recuperar os prejuízos do que for estragado e voltar à vida normal, sem tomar novas soluções.
*Urbanista, arquiteto social e cocriador do projeto Rios e Ruas