A voz dos muros reivindica o direito à cidade

Após onda hip-hop, obras agora focam na politização da arte

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Por Bruno Paes Manso e Laura Maia de Castro
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A cena de grafiteiros paulistanos, que vem ganhando destaque no mundo pela estética e estilo de seus participantes e suas obras, distancia-se do hip-hop, forte nos anos 1990, e ganha cada vez mais contornos políticos. Agora, traços e personagens tentam apontar as contradições e os problemas cotidianos por meio da arte. A pauta dos artistas reivindica o direito à cidade. No bairro do Grajaú, no extremo sul, o projeto Imargem denuncia a degradação ambiental pintando na beira da Represa Billings e ao longo dos Rios Pinheiros e Tietê. Na zona leste, em Ermelindo Matarazzo, o coletivo Abayomi, formado por mulheres, resgata as culturas nordestina e africana para reafirmar e valorizar a cultura da periferia.Em Cidade Tiradentes, também na zona leste, o coletivo 5 Zonas pinta nas empenas cegas das Cohabs do bairro personagens negros em cenas cotidianas, inspirados na população local, para valorizar a origem e o dia a dia dos moradores do bairro. "Nos anos 1970 e 1980, a fase embrionária do grafite floresceu na cidade a partir de uma escola influenciada por artistas e poetas de classe média. Nos anos 1990, o peso do hip-hop foi mais forte. A fase atual tem uma pauta, que é o direito à cidade, semelhante à dos jovens que foram às ruas. Os coletivos são horizontais, há mulheres, uma forte discussão racial, onde a cidade é a personagem principal", afirma o historiador Antonio Eleilson Leite, organizador do livro Graffiti em SP, tendências contemporâneas.Ainda existe uma característica do grafite capaz de dar ainda mais legitimidade para a cena da cidade. Como em nenhum outro estilo, as influências culturais do centro e da periferia se misturam, formando uma arte genuinamente mesclada. Grafiteiros dos extremos e regiões centrais trocam informações pelas redes sociais e se encontram em pinturas coletivas. "Nessas pinturas coletivas, um monte de artista se reúne para dividir um mesmo muro, trocar informações e observar estilos. Já faz parte da cena de grafiteiros da cidade", conta o artista Mauro Sérgio Neri da Silva, de 32 anos. Ele nasceu no Grajaú, já foi vendedor ambulante e se interessou pela arte incentivado pelo Centro de Convivência Santa Doroteia, ligado à igreja católica do bairro. Com ajuda da ONG, estudou Artes Plásticas por três anos na Itália. Junto com o projeto Imargem, organiza anualmente, todo mês de maio, uma mostra em homenagem ao grafiteiro Nigas, morto em 2002 afogado na Represa Billings. "Acho que o Grajaú é o bairro mais grafitado do mundo. Nos últimos três anos, vieram 400 que pintaram em todo bairro", diz. Documentário. O filme Cidade Cinza, dirigido por Marcelo Mesquita e Guilherme Valiengo, discute justamente as ações da Prefeitura, que pinta os muros grafitados de cinza, numa luta permanente com os artistas de rua. Participam do documentário grafiteiros como a dupla Osgemeos, Nunca, Ise, Finok, Zefix e Nina, atualmente com amplo reconhecimento internacional, que ainda assim têm suas obras apagadas. "Esse debate precisa crescer. Somos carentes de arte, mas, mesmo assim, os grafites são apagados. Antes de apagar as obras, por que não fazem a cidade funcionar?", questiona Mesquita.Muros que gritam. Não deixa de ter uma ponta de ironia o fato de São Paulo ser hoje considerada capital mundial do grafite. Nos anos 1980, os muros começaram a subir pelos quatro cantos, assim como os shoppings centers e os condomínios fechados. A arquitetura paulistana parecia ter encontrado uma solução para o medo de assaltos crescentes. Foi justamente usando o muro como suporte que os grafiteiros passaram a se relacionar artisticamente com a cidade e a denunciar a segregação. Anos depois, em junho, pichadores e grafiteiros tiveram participação política decisiva nas manifestações. As mensagens ficaram pelos muros. "As latas vão cobrar!", prega uma delas, no Viaduto do Glicério.

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