
24 de março de 2010 | 00h00
Ficaram na lembrança as marcas pontudas feitas nos joelhos durante as brincadeiras pelo lioz que marcava o traçado imperfeito da então Praça Senador Florêncio - o nome da Praça da Alfândega entre 1883 e 1979. Encantavam as esculturas imensas de Barão do Rio Branco e General Osório, que mais pareciam homens emburrados que um estadista da República Velha e um herói da Guerra do Paraguai sobre seu cavalo.
O espelho d"água enchia de esperança os pequenos que, como eu, sonhavam em ali se refrescar. Eram tempos em que ficávamos flanando, esperando pelos pais, soltos, sem perigo.
Os homens iam à praça sobretudo para engraxar os sapatos com senhores de fina estampa, sentados em cadeirões altos de ferro, com seus guarda-sóis e caixas de couro preto recheadas de escovas de crina de cavalo, ceras importadas e flanelas. As mulheres circulavam pelo comércio. E carregavam as crianças para as matinês do inesquecível Cine Guarany.
Desde 1955, a cidade inteira (e muito mais gente) bate ponto na praça na época do florescer de suas árvores. É sinal de que a Feira do Livro vai começar (17 dias entre o fim de outubro e novembro). O evento mais tradicional da cidade (não tem Bienal do Mercosul nem festejos Farroupilha que concorram) é a céu aberto, sobre um tapete de flores roxas e amarelas. Transpira cultura, lazer e diversão.
Dos prédios imponentes que cercam a praça, lembro-me deles quando ainda tinham outras finalidades. O Memorial do Estado foi um dia o Prédio dos Correios. O sensacional Santander Cultural já abrigou os bancos da Província, Nacional do Comércio, Sul-Brasileiro e Meridional. A alfândega, depois transformada em Delegacia Fiscal (1913), é desde 1978 o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs). O lindo prédio, de arquitetura eclética, saiu das pranchetas luminosas do alemão Theo Wiederspahn, o maior arquiteto da história de Porto Alegre.
Mas o melhor da praça sucumbiu à degradação do centro. O comércio foi invadido por camelôs, o espelho d"água, por pivetes, e os bancos, pela prostituição. As estátuas não reluzem mais. Os engraxates estão em outras bandas. O porto, à beira-lago, com uma rua na praia, alegre, é coisa do passado. Que venha a revitalização.
PORTO-ALEGRENSE, É EDITORA DO "ESTADO"
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