24 de outubro de 2011 | 03h04
Os sinos de certo modo estiveram mais associados à tristeza do que à alegria. O sensível Erotides de Campos, paulista de Cabreúva, celebrou-os num clássico da nossa música, sua bela Ave Maria. Lembro de Francisco Alves cantando-a no rádio: "Nesta hora de lenta agonia, quando o sino, saudoso, murmura badaladas da Ave Maria." No cair da tarde, os sinos chamavam para as rezas do fim do dia. Vez ou outra, ia com minha avó à igreja para as preces do crepúsculo.
O planger dos sinos anunciava fins e finitudes. Mas anunciava também começos. Os sinos das igrejas atravessaram a noite badalando pelo armistício de maio de 1945: terminavam os terrores e apreensões da Segunda Guerra Mundial, era o começo do fim do racionamento, da escuridão do blecaute. Os sinos falavam, na alegria e na tristeza...
A linguagem dos sinos era codificada. Os sineiros eram verdadeiros músicos e telegrafistas do sagrado, traduziam na sonoridade do bronze os sentimentos do que de antigo ainda havia naquela sociedade de 60 anos atrás. Muitas vezes, os sinos da torre de uma igreja pelejavam rancores de sineiros com os da torre de outra igreja.
Gerações atravessaram as eras ouvindo os anúncios dos mesmos sinos, como os da Igreja de São Bento, especializados em hora certa, mais cúmplices do repetitivo e do moderno do que escravos da tradição e dos rituais.
Os sinos também morrem. No Museu de São Caetano repousa o seu silêncio um sino que tinha um par, ambos fundidos em 1883 na Oficina Mecânica de A. Sydow, no bairro da Luz. Como parte do pagamento, os colonos deram um sino velho, que fora colocado pelos monges de São Bento na torre da antiga capela de São Caetano, na segunda metade do século 18. O velho sino, que ritmara a vida de escravos, já não servia. Mas um dia o novo sino também envelheceria e seria calado. Lembro de suas lentas badaladas de aldeia em minhas manhãs e meus começos de noite.
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