A língua das ruas no templo da arte

PAISAGENS

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Por Pablo Pereira
Atualização:

Eles já foram perseguidos, acuados e presos, mas agora tiveram representantes convidados para uma presença "documental" em uma das mais importantes manifestações culturais do País, a Bienal de Artes de São Paulo. São os pichadores, jovens que usam tinta spray para deixar suas marcas em paredes, portas e janelas. Uma rápida olhada na internet já revela diversos vídeos sobre a ação dessa tribo paulistana. Alguns deles admitem que o barato da coisa está na transgressão, no culto à ilegalidade. A prática é proibida por lei, mas pode ser avistada na paisagem de São Paulo há muitos anos. Em 2008, em caso rumoroso, uma ativista foi presa por ter pichado na 28.ª Bienal. Na versão deste ano, "colegas" da moça mostram sua escrita marginal oficialmente em espaços do pavilhão no Ibirapuera.Essa gana por escrever nas paredes é registrada na cidade há bastante tempo. O estudo "As Marcas da Comunicação Urbana", de Alexandre Barbosa Pereira, mestre em Antropologia Social pela USP, do livro São Paulo, Metrópole em Mosaico (CIEE, 2010), lembra que as pichações eram vistas em São Paulo já nos anos 30, com protestos contra Getúlio Vargas. Eram as expressões que décadas depois virariam bordão de esquerda: "Abaixo a ditadura".E foi essa palavra de ordem de protesto que a jovem pichadora tentou reproduzir na 28.ª Bienal e lhe rendeu uma cadeia de mais de 50 dias. Pichador que se preze diz que a essência da ação está no desafio e não gosta de grafiteiro, um outro usuário de parede e muro alheios. O grafiteiro carrega uma certa tolerância social. É uma aceitação que o coloca mais próximo das artes plásticas, como aparece na ligação das Avenidas Paulista e Rebouças, que tem desenhos e cores. Mas, como mostra o documentário Pixo (2008), de João Wainer, há quem veja nessas pinturas mais uma ferramenta de combate aos pichadores - à medida que tenta atrair o pichador para o mundo da atitude legal. Na pesquisa de Pereira, aparece um episódio curioso: uma pichação que intrigou paulistanos na década de 60. Lia-se: Cão Fila KM 26. Parecia ser uma enigmática mensagem, em pleno governo militar. Mas, conta Pereira, não passava de um criador de cachorros da raça querendo fazer negócios com filhotes numa chácara a 26 quilômetros da capital.

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