'A inclusão não termina com o ingresso', diz socióloga da USP

Permanência dos estudantes na universidade depende de monitoramento da política e apoio acadêmico e financeiro

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Por Luiz Fernando Toledo
Atualização:

SÃO PAULO - Embora atrasada em relação às outras universidades, a USP deverá ganhar em qualidade e diversidade com a aprovação das cotas em todas as suas unidades a partir do ano que vem. Mas tal inclusão deverá vir ancorada em um amplo apoio da instituição aos alunos, não só de monitoramento da política, mas também financeiro. É o que aponta a professora e pesquisadora de políticas afirmativas do Departamento de Sociologia da USP, Márcia Lima. “Hoje a manutenção dos alunos mais pobres na USP já é um problema. A universidade terá de pensar isso e assumir esse compromisso, pois a inclusão não termina com o ingresso. Em outras palavras, a universidade vai ter de gerir a diversidade que criou. Não se pode desistir de um projeto deste tamanho por causa de uma crise econômica”, aponta a especialista. Dados do Anuário Estatístico da USP de 2016 apontam que 16,4% dos ingressantes tinham renda familiar mensal de até três salários mínimos. Em 2008 eles representavam 10,8% do total. Alunos nesta faixa de renda e na primeira graduação podem solicitar auxílio moradia. Ao mesmo tempo, estudantes reclamam que tem crescido o número de bolsas canceladas - a USP diz que ampliou o auxílio à permanência e que o processo seletivo das bolsas é feito anualmente. A estudante do 2º ano de Pedagogia em Ribeirão Preto Isabela Casquer, de 20 anos, conta que perdeu a bolsa de R$ 400 que recebia para bancar o quarto em uma república no município - a família dela mora em São José do Rio Preto, a 180 quilômetros da universidade.Foi assim que decidiu buscar um estágio fora da área em que estuda para se manter. "Não tinha como me sustentar na cidade", reclama. Bianca Arruda, de 21 anos, aluna de Ciências Sociais, conta que não conseguiu vaga na moradia estudantil (Crusp) e nem auxílio financeiro e, por isso, tem de ir e voltar para São Bernardo do Campo diariamente. "É bem difícil. Gasto até três horas para chegar e às vezes perco aula", reclama. "Muita gente desiste do curso porque não consegue nenhum tipo de apoio", diz. Somente os alunos com menor renda têm acesso a uma vaga na residências estudantis, enquanto outros podem obter o auxílio em dinheiro, de R$ 400. Mas nem todos são contemplados. Dados obtidos pelo Estado por meio da Lei de Acesso à Informação comprovam o desafio da universidade: só no campus Butantã houve 3.832 inscritos para concorrer a uma bolsa de moradia neste ano, o dobro em relação a 2013. Mas o número de vagas no Crusp, a moradia estudantil da Cidade Universitária, caiu. Só 165 vagas foram abertas, ante 206 em 2013. O número de apoio moradia em dinheiro, uma bolsa que se mantém em R$ 400 ao menos desde 2011, também não aumentou. “A USP precisa criar uma comissão de acompanhamento e acolhimento desses alunos. É uma questão não só de disponibilidade econômica, mas também política”, diz a professora.Ela ressalta, no entanto, que existe um “exagero” no receio de que essa nova geração de alunos vindos de escolas públicas e mais pobres não tenham o mesmo desempenho dos demais. “O que temos visto em diversas experiências em universidades públicas de qualidade é que esses alunos conseguem superar essas dificuldades ao longo do tempo." Recursos. O vice-governador e secretário de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação, Márcio França, disse ao Estado que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) estuda um repasse extra de até R$ 260 milhões anuais para custeio das bolsas de moradia e alimentação dos estudantes. As instituições teriam de trocar os atuais restaurantes universitários, que têm servidores públicos nas cozinhas, por unidades da Rede Bom Prato, cujo produto é mais barato. Promessa semelhante havia sido feita por ele em 2015, mas não saiu do papel. “Tivemos uma reunião há dez dias com o conselho dos reitores das três universidades estaduais (Cruesp) e disse a eles que havia uma simpatia do governador pelo subsídio a essas permanências. Mas o valor precisaria ser o mesmo por aluno nas três universidades”, disse ele, que alegou que cada instituição ofereceu uma bolsa diferente aos seus estudantes. “Teria de ser uma coisa unificada. O Cruesp ficou de preparar esse estudo unitário”, disse. França projetou que o repasse às três universidades estaduais ficaria em torno de R$ 320 milhões se mantidos os atuaisrestaurantes, valor que deve diminuir com adesão ao Bom Prato. “Nosso Bom Prato custa ⅓ do valor que elas (universidades) pagam. Paga-se de R$ 15 a R$ 17 por refeição, enquanto nós pagamos só R$ 5 e o munícipe só paga R$ 1 pelo prato”. França destacou que não há chance de aumento no repasse que as universidades recebem do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), hoje fixado em 9,57%.“Isso não vai acontecer. O que podemos fazer é assumir esse subsídio (de permanência estudantil), porque entendemosque não é uma obrigação da universidade”.

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