
02 de outubro de 2015 | 20h55
Dá para dizer que desde os primórdios a Casa Verde despertou paixões. Primeiro foram as moças, irmãs de José Arouche de Toledo Rendon, que no século XIX foi o primeiro diretor da Faculdade de Direito da USP. Dizem que elas encantavam os rapazes da capital e, estranhamente, morreram todas solteiras e bem velhas. Tempos depois, foram as subidas e descidas e o ar de interior que passaram a inspirar músicos e escritores. "A Casa Verde é amor", já dizia o samba-enredo de 2015 da Império de Casa Verde, umas das várias escolas de samba sediadas na vizinhança.
Adoniran Barbosa, conhecido por cantar o Brás e o Bexiga, também tinha esse pedaço da zona norte entre seus temas. Um verso seu ainda hoje descreve bem a atmosfera do lugar. Aqui, o volume de surdos e tamborins tende a aumentar à medida que vai se aproximando o Carnaval: "Valdir, vai buscar o tambor, Laércio, traz o agogô, que o samba na Casa Verde enfezou!".
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"O Adoniran cita o samba e a negritude da Casa Verde. A São Paulo antiga devia olhar para o distrito como um grande reduto negro", conta Eduardo Britto, autor que escreveu dois livros sobre a região. O primeiro, de 1998, chama-se "São Paulo tem a Casa Verde" e surgiu quando Britto era Oficial de Justiça no bairro.
"Trabalho na Casa Verde há mais de 25 anos", conta. "Eu brinco que, se eu vejo uma rua que eu não conheço, fico surpreso. E isso tem sido cada vez mais raro", afirma. "Particularmente, há um aspecto geográfico único na cidade, que é ser um bairro de três andares, a Alta Casa Verde, a Casa Verde Média e a baixa Casa Verde. Além do lance das etnias diferentes, um núcleo grande de negros, de japoneses e também muitos portugueses."
O segundo livro de Britto saiu em 2013, para comemorar o centenário do distrito. "Eis aqui a Casa Verde", produzido em conjunto com o geógrafo Lino Michalczuk, reúne imagens atuais e históricas. "Se eu fosse escolher dois pontos, seriam a Praça Centenário (criada em 1922 por ocasião do centenário da Independência do Brasil) e o Sítio Morrinhos", afirma.
A principal fonte ouvida por Britto ao pesquisar para o livro foi Aureliano Leite, historiador e pesquisador que escreveu na primeira metade do século passado a obra "Pequena História da Casa Verde". Casado com uma senhora da família Rudge, que loteou a área a partir de 1913, Leite percorreu suas origens e foi o primeiro escritor a olhar de forma mais carinhosa para a Casa Verde e, vale anotar, a contar a história das irmãs de José Arouche de Toledo Rendon.
Não tem nada a ver com o bairro, porém, a Casa Verde de Machado de Assis, como era chamado o manicômio no romance "O Alienista" - ou tem, se imaginarmos que o médico Simão Bacamarte talvez, quem sabe, pudesse considerar a paixão de alguns moradores uma "grande loucura".
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