17 de dezembro de 2012 | 02h03
Para mim foi um susto quando, já bem adulto, pedi a bênção ao abençoado dom Antonio Fragoso, que mais de uma vez me acolheu em sua hospitaleira casa de Crateús, no Ceará, e ele, sorrindo, disse-me que eu já não precisava disso. "Que é isso, dom Fragoso? Se alguém precisa de bênção, sou eu!"
O costume da bênção parental se foi pelo ralo da secularização e da modernidade, nesta sociedade de seres tão cheios de certezas e de seguranças e tão inseguros em relação a tudo. As crianças já nascem na moldura educativa do super-homem. Num certo sentido, condenadas à privação da poesia que há nos prosaicos gestos rituais que em outros tempos diziam aos imaturos que estavam sob o abrigo do manto diáfano e invisível, mas eficaz, do acalanto de mãos protetoras estendidas sobre a cabeça.
A bênção entre nós é antiga e sagrada. Sua forma ritual varia segundo a região. No subúrbio, eu pedia a bênção a quem devia esse gesto de respeito, beijando-lhe a mão direita. Pedia "a bênção!", mas agarrava-lhe logo a mão, por sim ou por não, para assegurar-me a bênção carecida. Na roça, lá no Pinhalzinho, na Bragantina, meus primos pediam a bênção juntando as mãos em gesto de louvado em direção à pessoa que, esperavam, os abençoasse. "A bença!" rogavam. "Deus abençoe!" vinha a confirmação sacramental do parentesco que se renovava ao menos uma vez por dia. Ou duas! Pedia-se a bênção, também, na hora de dormir. No Arriá, havia quem, juntando as mãos, dissesse "São Cristo!" Tudo indica, fora o modo como os índios administrados, antecessores dos escravos negros, confirmavam cotidianamente a dimensão patriarcal de seu cativeiro.
Num povoado da Amazônia, em que estava fazendo pesquisa sobre violência fundiária, várias crianças vieram visitar-me no rancho em que armara minha rede para pedir-me "a bença", de mãos juntas. Da resposta, ficavam sabendo se eu era amigo ou inimigo, do bem ou do mal, de dentro ou de fora.
Encontrou algum erro? Entre em contato
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.