20 anos depois, a certidão da dor das mães de Acari

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Por Luciana Nunes Leal
Atualização:

No mês passado, quando finalmente conseguiu a certidão de óbito da filha Rosana de Souza Santos, desaparecida aos 19 anos com outros dez moradores das imediações da favela de Acari, em julho de 1990, Marilene Lima de Souza fez um desabafo que repetiu na sexta-feira: "Continuo sem as respostas que procuro há mais de 20 anos." Ela foi surpreendida com o que foi escrito no espaço reservado para o local do falecimento: "Chacina de Acari, nesta cidade."Além da causa da morte "ignorada", o documento deixa em branco os espaços do local de sepultamento e nome do médico que atestou o óbito. Como declarante da morte, aparece "sentença judicial". É o resumo dos esforços de 11 famílias pelo reconhecimento formal da morte de oito jovens e três adultos que passavam o fim de semana em um sítio em Magé, na Baixada Fluminense.Por enquanto, apenas três parentes conseguiram as certidões, emitidas pelos cartórios por ordem da Justiça. Em visita ao Brasil na semana passada, integrantes da Anistia Internacional prometeram enviar cartas aos juízes pedindo urgência nas decisões dos demais casos.O crime nunca foi esclarecido nem os corpos encontrados. Em julho de 2010, o crime prescreveu e não há mais chance de punição para possíveis culpados. Testemunhas indicaram policiais integrantes de grupos de extermínio como responsáveis pelos assassinatos, mas o inquérito foi arquivado por falta de provas e não houve processo. "Fiquei chocada quando vi "Chacina de Acari" como local da morte. Essa é a resposta que me dão. Penso em outras mães, que nem receberam a certidão", diz Marilene, lembrando a companheira de militância Vera Lucia Flores Leite, mãe de Cristiane Souza Leite, desaparecida aos 16 anos. Vera morreu de causas naturais há dois anos. Antes de Vera, em 1993, Edméia da Silva Euzébio foi assassinada quando fazia uma investigação paralela da morte do filho, Luiz Henrique Euzébio, de 17. A certidão de óbito de Luiz Henrique foi recebida pela irmã do rapaz, Rosângela da Silva. "Já nem tinha mais esperança", diz. Integrante do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (IDDH), que auxilia a família, o advogado Taiguara Souza diz que o passo seguinte será uma ação de reparação por parte do Estado, com base nos testemunhos de envolvimento de policiais. Segundo ele, apesar do choque pelo local da morte ser "Chacina de Acari", os parentes dos mortos entenderam que este detalhe pode ajudar na futura ação judicial. Em 2002, cada família recebeu R$ 10 mil do Estado, mas os parentes reivindicam uma indenização maior. Procurada pelo Estado, a Secretaria da Casa Civil do Estado respondeu que "não há condição de dar uma posição sem ter acesso a toda documentação".

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