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Os atentados misteriosos e os cinco mortos na praça construída para celebrar a paz em SP

Por Bruno Paes Manso
Atualização:

Praça Sete Jovens Foto: Estadão

Protesto contra chacina Foto: Estadão

Atentando ao coronel Hermínio em 2008 Foto: Estadão

Local da chacina de 16 de abril Foto: Estadão

"O passado não está morto e enterrado; na verdade, ele nem mesmo é passado". Li a frase de Faulkner recentemente em um belo livro sobre a história do Brasil de Francisco Weffort (Espada, Cobiça e Fé - Civilização Brasileira). A sentença me veio novamente à cabeça ao apurar* sobre os cinco jovens mortos e outros cinco feridos no intervalo de 15 dias em duas chacinas em São Paulo, na Praça Sete Jovens e nos arredores, na Brasilândia, zona norte de São Paulo.

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A praça foi criada justamente para homenagear outros sete moradores do bairro, executados no dia 1º de fevereiro de 2007, no escadão Olga Benário. Mineirinho foi o único sobrevivente, mas ficou paraplégico. Pés de figo, pitanga, pista de skate e parquinho para crianças surgiram numa tentativa de redesenhar o futuro e pavimentar a trilha da paz. Só que o passado ressurgiu como um morto-vivo, para assombrar os sobreviventes.

Na primeira ocorrência, há duas semanas, na madrugada de 16 de abril, havia vizinhos na rua e garotos na praça quando dois homens encapuzados se aproximaram a pé e mandaram quatro jovens se deitarem no chão. Os assassinos começaram a disparar. Uma mulher que morava em frente à praça passou a gritar por socorro e os matadores fugiram. Três jovens morreram: tinham 17, 18 e 22 anos. Outros dois ficaram feridos. Um deles tinha problemas mentais e de audição.

Só que, desde a chacina de 2007, muita coisa havia mudado. No dia 27 de abril, na semana passada, grupos de jovens protestaram durante um show na zona norte. Estavam lá a Pastoral da Juventude, Levante Popular da Juventude,  Rede Ecumênica da Juventude, além de representantes do movimento negro, de grupos punks e anarquistas. "Três jovens foram mortos! Não vamos nos calar!", bradaram durante o manifesto. A lei do silêncio, que vigorou durante décadas em SP por causa das ameaças que faziam a população se sentir vulnerável, parecia estar fragilizada. Creio que depois de junho, muitos brasileiros perceberam que podem ser mais fortes.

Os protestos, contudo, não impediram novos ataques. No dia 1º de maio, na quinta-feira, perto das 22 horas, a 600 metros da Praça Sete Jovens, na Brasilândia, conforme depoimentos dos moradores, três homens chegaram bem armados, dois com pistolas e um com metralhadora, e dispararam a esmo, sem selecionar as vítimas. Depois correram. Quando fato semelhante ocorre numa universidade norte-americana, ganha grande espaço no noticiário paulista e brasileiro. Duas pessoas morreram e três ficaram gravemente feridas pelos disparos. Ainda de acordo com os moradores, das cinco vitimas atingidas, quatro delas trabalhavam e uma tinha 15 anos e estudava. Três das vitimas eram primos e estavam sentados em frente à casa da avó. Era um ambiente familiar, não foi um ataque em região de tráfico de drogas.

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Ninguém sabe ao certo ainda o que pensar dos atentados na região. O procedimento difere daquele normalmente usado pelos grupos de extermínio informais formado por policiais, que costuma ocorrer com a participação de moto e carro. Mas a suspeita contra policiais, com péssima fama no bairro, corria de boca em boca. Disseram que, na manhã do dia 16 de abril, horas depois da tragédia, policiais dentro de viaturas passaram pelo local fazendo ameaças. No dia seguinte, enquanto garotos colocavam faixas de protesto na praça, foram abordados por um policial civil com distintivo e armado, que exigiu identificações e telefones.

A desconfiança de uma instituição do Estado não surge do nada, nem é simplesmente perseguição à corporação militar. Chacinas recorrentes na região ocorriam em 2007 e culminaram em janeiro de 2008 com a morte do coronel José Hermínio Rodrigues, que havia assumido a chefia da PM na zona norte. Ele havia começado a investigar a atuação de um grupo de extermínio no 18º Batalhão. As investigações apontaram para integrantes do 18º como os principais suspeitos do crime. Naquela época, cápsulas da arma de um soldado foram encontradas na cena de uma chacina de seis pessoas. Em março do ano passado, no entanto, os dois policiais do 18 º foram inocentados pela Justiça Militar por falta de provas. Um dos policiais era acusado de 16 mortes na zona norte.

Sem falar nas sangrentas disputas motivadas pelo tráfico e pela cobiça que move os integrantes da cena criminal paulista. Essas disputas provocaram milhares de mortes entre vizinhos nos anos 1990 e começo dos 2000, jovens crescidos no mesmo bairro, que se tornavam inimigos em nome de uma ilusão efêmera. A hegemonia do Primeiro Comando da Capital no tráfico de drogas parece que ajudou a diminuir esses conflitos territoriais no universo criminal nos últimos anos. Mas até quando? Quanto tempo vai demorar para que uma pequena rusga entre rivais faça rodar a engrenagem de vingança entre facções rivais? Abalando de vez a nossa "Paz de Cemitério"?

Desde que as tragédias atingiram a região, Estado, Prefeitura e organizações não governamentais passaram a fazer investimentos na área. Além da Praça Sete Jovens, houve outras melhorias sociais na região, incluindo a construção de uma escola cujo nome homenageou o coronel morto. Palmas para todos. A impunidade e o descaso com a ação dos assassinos, no entanto, mantiveram viva a maldade daqueles que não se importam em destruir a vida e o cotidiano da população local. Só que agora, a comunidade promete não se calar. E a favela vai cobrar. Os culpados, sejam eles quem forem, não podem se safar. Para que esse triste passado se torne apenas uma dolorosa lição. E não um zumbi a nos matar nas madrugadas.

* A reportagem foi feita com a ajuda de Hélio Augusto e do coletivo O Nome dos Números

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