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SP precisa desostentar. E de mais bicicleta nas veias para não enfartar

Por Bruno Paes Manso
Atualização:
 Foto: Estadão

Fiquei mais duro este ano, vendi o carro e comprei uma bicicleta. Ando todo dia uma hora e vinte para ir e voltar do novo emprego na USP (olha que bunitinha minha magrela na foto acima). Também passei a usar muito mais o ônibus e o metrô. Não quero convencer ninguém a vender o carro e sair pedalando por aí. Mas tive boas surpresas e, se me perguntarem, recomendo a experiência.

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Minha relação com a cidade vem se transformando. O cotidiano prédio-trabalho-cinema-shopping-restaurante me mantinha em uma bolha, mesmo trabalhando como jornalista pelos quatro cantos de São Paulo no Estadão. Havia o Bruno-Pessoa-Física e o Bruno-Pessoa-Jurídica. É algo que só percebi com clareza agora. São Paulo tem mecanismos poderosos para garantir que as vidas privadas de seus moradores não se cruzem, com diversos grupos se relacionando em guetos. Ok. Todas as cidades têm seus mundinhos, mas aqui não parece haver espaços para pontos de intersecção. O deslocamento por carro é fundamental para que não se rompa essa embalagem isolante de vidas paralelas.

Andar exposto pelas ruas tornou meu relacionamento com São Paulo mais direto. É como se eu estivesse mais vulnerável, sem escudos para me proteger nessa selva de concreto. Passei a sofrer com a topografia da Pompéia e com suas ladeiras ultra inclinadas que me dão a sensação de morar no vértice de um triângulo isósceles. Mas também se fortaleceu minha empatia com meus companheiros de transporte coletivo. Estamos todos no mesmo barco, navegando lotado pela Linha Amarela.

Pode parecer paradoxal, mas mesmo vulnerável me sinto mais seguro. Talvez por me sentir mais igual, olhando o mundo com mais simplicidade.  É engraçado. Nessa fase atual, eu não paro de me lembrar de uma frase de autoajuda que ouvi de um guia turístico na Bolívia. Ele disse que ficávamos mais rico conforme precisávamos de menos para viver. Taí. Desostentar para sobreviver em nossa selva tem dado certo. Eu sou estranho?

Por tudo isso, vejo a política da Prefeitura de tirar 40 mil vagas de estacionamentos das ruas para construir 400 quilômetros de ciclovias como uma medida corajosa e transformadora. Não se trata somente de levantar a atual "bandeira da moda", como alguns estão acusando os defensores das ciclovias. Parecemos, inclusive, ser minoria, dada a impopularidade do atual prefeito Fernando Haddad, semelhante à de Celso Pitta.

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Não quero entrar no mérito da qualidade da gestão do petista, mas quero dizer a esses motoristas que eles estão equivocados em relação às ciclovias. Digo isso como alguém que compreende os argumentos dos donos de carro, já que dirigi em São Paulo por 20 anos. Acho que é natural a recusa em aceitar mudanças dessa ordem e dimensão. Como mudar e usar esses transportes públicos que são de baixa qualidade? É o que nos perguntamos para continuar tendo desculpas para andar de carro. É justo o poder público exigir esse sacrifício? Vamos lá. Vou tentar rebater alguns desses pontos.

Primeiro, sugiro fazer o seguinte exercício. Pense em São Paulo como uma pessoa que foi levada para fazer um diagnóstico médico. Qual seria o quadro atual de nossa saúde? Acredito que veríamos um indivíduo com colesterol alto e com problemas de circulação. Basta constatar as centenas de quilômetros diário de trânsito em uma cidade territorialmente espalhada, com suas ruas lotadas e o tráfego perto de paralisar. Placas de gordura são capazes de interromper o fluxo sanguíneo e podem provocar um enfarte. O risco da interrupção da circulação sanguínea é mortal para qualquer um.

Agora voltemos a pensar em São Paulo. Mobilidade é o que mantém a cidade viva. Gente indo de um lugar para o outro, ruas cheias de pessoas. As ruas e as avenidas são nossas veias. Já os carros, são as placas de gordura obstruindo a mobilidade. O tráfego decorre desse excesso de gordura na corrente sanguínea, que ameaça travar o fluxo de sangue ao miocárdio. Os motoristas têm seus direitos, mas a cidade corre o risco de se autodestruir. De morrer de enfarte.

É preciso que o sangue circule. O carro está para a cidade como o torresminho está para o cardíaco. O Movimento Passe Livre percebeu a emergência quando levou o debate da redução de tarifas a público. Travou as ruas na hora do rush para São Paulo perceber o quanto estava refém do automóvel. O ponto importante é esse: aceitamos a comodidade do motorista, mas há o interesse da cidade. Motorista, não precisa abandonar o carro se não quiser. Faça seus próprios cálculos, de acordo com sua rotina. Mas aceite que a cidade precisa destravar para continuar viva.  E se coloque na posição de um prefeito, que tem a obrigação de pensar na cidade inteira. Ele é o médico do cardíaco cheio de placas de gordura no sangue. Para salvar o paciente, as vias terão que fluir melhor. Hábitos precisam ser mudados. Uma das soluções é bicicleta na veia.

PS1: Para acabar, a imagem de uma ciclovia (peguei no Facebook do Marcelo Rubens Paiva) em Belo Horizonte, perto da Prefeitura local, que mostra esse conflito entre ciclistas e motoristas que, aos poucos, eu creio, vai se reduzir. Como jornalista, cansei de ir em palestras dos prefeitos colombianos Antanas Mokus e Enrique Peñalosa que vinham ao Brasil fazer palestras sobre as ciclovias em Bogotá. Já passou da hora de encararmos o desafio e deixar para trás esse voyeurismo e essa babação de ovo. Já vimos muitos exemplos de fora.

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 Foto: Estadão

 

Ps2: Finalmente, um som de Freddie Mercury e Queen desbundando com suas bikes.

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