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Por Redação
Atualização:

O Estado publicou hoje um levantamento da Poiesis - organização que administra a Casa das Rosas e o Museu da Língua Portuguesa, entre outras instituições - que mapeia 32 saraus da Grande São Paulo. Nos próximos dias, colocaremos aqui algumas criações literárias dos frequentadores desses espaços. Começamos com textos da poetisa Barbara Leite e outros participantes do Sarau Diverso Politeama.

***Cirandinhapor Barbara Leite

O anel de flor de lótus vaga em outros dedos O menino feito de ópio foi embora, deixou sossego

Afago minha ira desnutrida que será cremada no próximo sábado de sol

Arrisco novas iscas aconchegadas no mesmo anzol

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São apenas perdas a mais e aqui tudo está normal

Continuo contando meus dias em saraus e cartelas de anticoncepcional

***Maremotopor Barbara Leite

São ciclos desejando oceanos e paz quase suplicando areia e rede

E depois, tudo tanto faz.

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O mar causa angústia por mais de cinco dias Ser descalça, inflama a mente

Me consolo nas águas de minha mãe por mais um instante

Ninguém é ileso ao asfalto:

É preciso um Niemeyer ao alcance é necessário que meu olhar se fragmente na próxima parede

assim lembro-me pequena e limitada.

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Uma vez infectada de pressa Apresenta-se sintoma latente de Madalena e Mariana.

Mochila de novo nas costas O último olhar de paulistana. Riso, gratidão e alívio num suspiro alto

E eu ainda Morro de São Paulo

***Meretriz em núpciaspor Barbara Leite

Com postura nada tímida ela insistia em olhares insinuantes, que eu percebia a cada alçar das pálpebras

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Era mais baixa que eu que me equilibrava em salto. Ensaiava um ar submisso que chegou como emboscada.

E isto ao invés de me fazer Golias, me tecia átomo.

Ínfima! Miseravelmente ínfima!

Quando eu sem pedir licença invadia as luzes e seus lares os carros e seus sonhos os concretos e seus abstratos

Ela sedutora profissional me flertava me rondava me pedia

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Eu sabia de sua ausência de castidade e de todos os seus amantes.

Meus pés fizeram-se nus Num ímpeto, minhas pernas se distanciaram para tal senhora deslumbrante.

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E eu amei São Paulo com toda intensidade.

***Tragédia paulistanapor Berimba de Jesus

Jabaquara conheceu Conceição / que foi apresentada por São Judas / o qual dizem que é santo / os dois com Saúde trabalharam na Praça da Arvore / na Santa Cruz se casaram / e foram morar na Vila Mariana. / Conceição pariu Ana Rosa e tudo foi um Paraíso, / só que Conceição conheceu Vergueiro / que foi apresentado por São Joaquim / o qual também dizem que é santo./ E ela traiu Jabaquara na Liberdade na cara larga. / Pra se vingar Jabaquara foi a um puteiro e conheceu a Sé, / que foi apresentada por São Bento, / o qual, também dizem que é Santo. / E a Sé deu a Luz / a Tiradentes e Armênia. / Jabaquara discutiu com Conceição pelas bandas do Tietê / e injuriado matou Conceição afogada. / Foi parar no Carandiru. / Santana, irmão de Jabaquara, / ficou com a Sé, / assumindo Ana Rosa, Tiradentes e Armênia, / e foram todos morar no Jardim São Paulo. /Mas num belo passeio de domingo pela Parada Inglesa, / todos morreram atropelados na linha um azul do metrô, / e foram enterrados como indigentes no Tucuruvi.

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***Paulista, 2006por Cel Bentin

Amealhado percurso estreito entre broto maduro de rosa e olhares verdes suspensos.

Tempo-presente margeando futuros do outro lado do rio da calçada da véspera do anseio.

A vida é isso.

Barco, passo, destino. Leito.

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Em plena Paulistapor Larissa Marques

em plena Paulista trava-se uma guerra silenciosa nenhum passante se dá conta da angústia caminhante as lembranças transitam sentido Brigadeiro a realidade chama para o lado oposto os passos firmes em destino certo alcançam o viaduto da Treze um novo Bixiga renasce hoje nos olhos de calos saudosos e ansiosos quase encantados desapercebidos do tempo deparam-se com o templo carcomido pelas horas falhas por década encoberto a estátua do saguão central o santo desvirtuado ainda voltava seus olhos para o oratório e sorria, num sorriso tão largo guardava mesmo o aroma contemplam-no imóvel, em devoção a imagem sussurra e o pagão ouve entrega-se em orações livra-se das dores mundanas e de olhos vidrados, entrega-se.

***Satíricopor Allan Vidigal

Mentiu Plutarco, ou mentiu o tal Thamus. Pode ter sido um erro inocente, mas está vivo, e bem, e contente. Foi só um deslize, um simples engano.

Abandonou a Arcádia, é verdade, e já nem pensa em Syrinx ou Echo. Mas aprendeu a beber em boteco e gosta mais de viver na cidade.

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O fato é: o rapaz não morreu. Mora em São Paulo, num loft bacana, e já nem é mais tão grande sacana. O Grande Pã, minha cara, sou eu.

***São Paulopor Ruy Villani

Quase me escondo Olho os seres, e não os creio Não foi isso o que aprendi.

Eu queria uma cidade Para desfrutar agora, na minha idade Eu queria ter uma referência. Mas por mais que minha consciência Me devolva às ruas Não são as minhas, nem as suas Imagens imaginadas, sonhadas Que vemos.

Parece que tudo apodrece Parece que a cidade Recebe o que não merece De seus bons.

Apenas o lixo De quem a tece Sub-repticiamente Sem pedir ou obter Autorização De quem, são, Tentou fazê-la melhor.

Calo meu amor pela cidade. Não deixo de ama-la Apenas a construo como posso E a espero recriada. E como peço amiúde A tantos que conheço.

Te peço sem pejo Me ajude!

***Na ponta da línguapor Flávia Perez

Poema veio de longe e no céu da boca, nas mãos tortas do Poeta, corrompeu-se:

- És meu Poema mais gostoso...

Foi uma única vez: Sarau cheio de ritmo, rima e gozo.

Poeta nunca mais esqueceu, Poema nunca mais foi a mesma, pois deles nasceu Obra-Prima.

Poema agora tem saudades e Poeta pela vida a fora Só punheta

***Para sempre desvairadapor Maria Júlia Pontes

O que é aquela cruz no fim do túnel Rebouças que o paulistano sustenta [dia ....... após..... dia] e que não se traduz?

luzes ao contrário trafegam nas vias nas vidas dos transeuntes, Inferno e céu, [se misturam] ilustres, trabalhadores e otários [Se aturam]

e desvaira pra nunca mais parar a paulicéia nos palcos da multi-étnica platéia que se arranha entre fumaça e pó menino no farol [malabarista da fome] um pouco de fé, e mais nada a temer,

meia volta vou ver! e única saída que alenta, [desapressado] não adianta correr, [é esperar pra morrer]

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