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Correndo atrás do vento

Opinião|Cenas urbanas - No táxi

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Foto do author Luiz Henrique Matos
Atualização:
 Foto: Estadão

#1

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- De onde você é? - perguntou o motorista quando entrei no táxi. - Sou do Brasil. E você? - I'm from India. Mas já vivo aqui em Nova York há mais de 10 anos.

Passava das onze da noite, eu voltava de um jantar para o hotel e, depois de um dia inteiro trabalhando, só queria um banho quente e uma cama. Mas, nunca resisto à tentação de dar corda em conversas com pessoas de lugares diferentes de onde vivo.

- Você conhece o Brasil? - emendei.

E para minha surpresa, ele respondeu que sim.

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- Sim, conheço. Já fui muito ao Brasil. - Rapaz, sério? - okay, eu não disse exatamente "rapaz" em inglês - que cidade você conheceu? - Ah, algumas. Eu trabalhava em uma empresa de engenharia aeroespacial. Ainda sou da área. Trabalho como motorista para complementar minha renda. Conheço São Paulo, Rio de Janeiro, já fui à Bahia... - Que interessante. E o que você mais gostou de lá? - Oh man, eu adoro o Brasil. Na verdade, acho seu país muito parecido com o meu. As pessoas são calorosas e a comida tem um tempero parecido também.

Eu ia discordar, mas como nunca estive na Índia, fiquei quieto. E ele, cada vez mais empolgado, continuou:

- Mas o que eu mais gostava no Brasil era uma bebida a base de cana. Eu bebia um copo de meio litro todos os dias.

"Cachaceiro", pensei, "desse jeito não é difícil confundir pastelzinho com samosa". Mas resolvi conferir:

- Meio litro de cachaça? Really? - Não! Cachaça, não. Era outra bebida. Queria muito lembrar o nome. Eles fazem na rua, com um motor. Pegam a cana inteira e moem ali mesmo na sua frente. E aí sai um suco que misturam com limão, com abacaxi, côco. - Garapa? - Isso! Isso! Garapa! Oh my God, I love garapa!

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* * *

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#2

No dia seguinte, tomei outro táxi no fim da tarde. Caía uma chuva forte na cidade e a bateria do meu celular já estava abaixo dos 15%, o que me obrigava a poupar energia para usar o aparelho mais tarde. Sem ter como passar tempo, dessa vez fui eu que puxei assunto com o motorista:

- Você é nascido aqui mesmo? - Ah não - devolveu - eu sou dominicano. - Que legal. E sente muita falta do seu país? - Yeah man, muita falta. Estou aqui há muitos anos, mas a América é só para trabalhar e ganhar dinheiro. Um dia eu ainda volto para casa com minha família. Minha filha é americana, nasceu aqui, mas ela também quer viver lá. - Eu te entendo. - E você, de onde é? - Sou do Brasil. Só estou aqui por uns dias a trabalho. - Oh man, I love Brazil!

Eu ri. Lembrei do indiano que bebia garapa da noite anterior, quase perguntei se o sentimento dele também tinha algo a ver com cana, mas desencanei.

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- Já esteve lá? - Não, nunca estive. Mas minha mulher e eu... nós gostamos de assistir aqui na tv um programa, esqueci como vocês chamam, aqui eles dizem soap operas, mas... - Novela? - Isso! We love Brazilian novelas! - Não diga. - Assistimos todas as noites. Me gusta mucho.

Fiquei em silêncio tentando lembrar qual foi a última novela que assisti na vida. Um mundo sem fronteiras é realmente algo maravilhoso. Que tempo interessante vivemos. Olhei para o sujeito, um moreno rechonchudo, seus cinquenta e poucos anos e um bigode preto milimetricamente aparado. Ele deu um murrinho no volante e sorriu pensando no que havia me dito.

- Tem uma artista brasileira que vejo sempre na tv e de quem gosto muito. Ela é muito talentosa, é muito muito famosa e, hum, ela é bem bonita também. Muy guapa. - Ah é? Quem seria? É que eu vejo pouca novela e... - Eu vou lembrar o nome. Gosto muito dela.

Eu tinha em mente as referências de atrizes do final dos anos 90 ou começo de 2000. Tentava pensar em algum nome para sugerir a ele e não parecer tão por fora, mas foi ele mesmo quem deu sequência na conversa.

- Lembrei.

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Fiquei curioso.

- Como ela chama? - Ela se chama... Mujer... hum, ah sim, Mujer Melância.- Ah, okay.

Opinião por Luiz Henrique Matos

É escritor e publicitário. Autor dos livros “Enquanto a gente se distrai, o tempo foge” e "Nem que a vaca tussa!" e criador do canal Frases de Crianças.

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