Há alguns anos, uma exposição na Oca expôs maquetes do Ibirapuera desde as versões preliminares do projeto de Oscar Niemeyer até sua conformação final.
Resgatei aqui algumas observações feitas à época e outras anotações a respeito do parque inaugurado em 1954.
Versão Inicial
A primeira proposta, de 1951, apresentava blocos mais soltos pelo parque, enquanto a segunda cria uma área mais bem demarcada pelos blocos ortogonais, delimitando melhor o refúgio construído do parque que é a marquise, elemento articulador do conjunto em ambas as propostas. Nesta versão da marquise também parece perder-se demais pra lá e pra cá, intercalando trechos retos com curvas que fazem mudar o sentido da cobertura, num ziguezague demasiadamente ornamental, e não estava ainda à altura das curvas mais elegantes que bem caracterizam a obra do autor. Obviamente, as alterações no tamanho atenderam pedidos de redução da área construída por questões de economia e prazo -- o parque seria inaugurado em comemoração aos 400 anos da cidade de São Paulo --, mas as alterações estéticas foram iniciativa do próprio autor.
Anos depois, esta Oca com rampa lateral foi adotada em um de seus últimos projetos para Brasília, o Museu Nacional da República, a completar o conjunto cívico da capital do país.
Os volumes dos edifícios alongados, na primeira versão, lembram o projeto para a indústria Duchen, em São Paulo, feita por Niemeyer em 1950. Depois ganharam linhas mais puras, como as que conhecemos hoje.
Versão Final
A segunda versão é bem mais elegante, com curvas mais extensas e contínuas que diluem a transição dos trechos retos nos poucos e generosos arcos de compasso. Nesta versão definitiva, podemos observar como os arcos internos empurram as linhas dos contornos externos da marquise para dentro e para fora do parque.
Ainda sobre a marquise, que é a edificação mais emblemática de todo o parque, há dois arcos de grande dimensão criando o afastamento necessário para que Oca e Auditório sejam vistos integralmente, com a cidade acontecendo ao fundo -- ainda que no plano original as avenidas fossem enterradas. Um terceiro arco delimitando este tipo de ponto focal não inclui nenhum objeto central, mas dois objetos laterais retangulares que adentram o campo visual pelas laterais, tendo o vazio como centro. Isto reforça um recurso que se repetirá no Pavilhão da Bienal: o prédio longo, visto de longe, entra e sai do meio das árvores, dificultando a apreensão de toda seu percurso. Assim, dependendo do ângulo, vemos só um pedaço da edificação linear, como se ela viesse desde o infinito até aquele ponto.
Nas duas revisões, dois edifícios se mantiveram praticamente intactos.
Um foi a Oca, prevista inicialmente com uma rampa a contornar o volume curvo, em espiral. O projeto foi revisado pelo autor, suprimindo a rampa, mas manteve-se praticamente intocado no restante.
Outro foi o Auditório, que persistiu como volume triangular invertido (lado maior para cima). Acabou sendo construído uns 40 anos depois e, nesse período, teve 6 outras versões, todas revisões do Niemeyer. Na última virou o prédio que conhecemos: um triângulo apoiado pelo lado maior no solo. Valeu a pena esperar a desistência da ousadia estrutural em favor da pureza. Inicialmente a composição remetia a Brasília, esquema recorrente adotado por Niemeyer para a composição de volumes: um pesado se assenta no solo (Oca, no caso) e outro parece flutuar (Auditório apoiado pela aresta do triângulo).
Ao final, com quase cem anos, decidiu aceitar a lei da gravidade e facilitar ao Auditório do Ibirapuera sair do papel, fazendo-o também um volume pesado, apoiado em seu lado maior bem assentado no chão. Diferente da relação peso-leveza presente em Brasília, não deixa de haver um belíssimo contraponto que só o Oscar seria capaz de criar: a oca-parábola e o triângulo-com-língua-de-fogo-e-garganta.
Niemeyer sempre lembrou dos amigos. Ali, pré-centenário, cita aqueles que lhe fizeram companhia nos anos de exílio, na França, ao projetar de mãos dadas com Picasso, Miró e Calder.
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Algumas imagens da Oca (fonte: Acervo Estadão)