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PARA QUE SERVE UMA CIDADE? _ (Parte I)

Por Henrique de Carvalho
Atualização:

| foto do autor | Foto: Estadão

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Afinal, pra que serve uma cidade? Outro dia me deparei com esta pergunta e junto dela havia uma explicação bonitinha do Paulo Mendes, dizendo "para que as pessoas possam conversar". Bonito, mas não me convenceu. Não é isso não. Foi apenas uma resposta poética vinda de nosso poeta do concreto moderno. Decidi então elaborar, por suspeitar que a cidade não nasce para servir a algo.

A princípio a cidade nasce para não precisarmos viver na selva e nem fazer do caminhar um morar. Ela surgiu porque havia um rio, fizeram uma horta e as pessoas viram que daria pra ficar ali sem precisar se deslocar demais, desde que empurrassem a selva próxima um pouco mais pra fora deste pequeno assentamento inicial. Nesta situação, a cidade é uma estratégia de preservação da vida que se desdobra em ocupação estável, mas quando isso nasce ainda não é cidade; é um aglomerado de casas, são pessoas ocupando e compartilhando um espaço, é apenas uma aderência. Vendo por este lado, a cidade a partir do conceito de cidade que nós temos hoje, é uma ocorrência aleatória, formação inútil inicialmente, que acontece sem querer, e passa a ser suporte incidental do qual tiramos proveito. Mas não é por tirarmos proveito de sua ocorrência que ela sirva para isto. É como uma semente que não nasce servindo para ser comida, apesar de fazermos dela nosso alimento. Nós tiramos proveito, mas não quer dizer que sirva para isso -- ela serve para outra coisa, que é perpetuar sua espécie.

Ao passo em que as cidades foram se desenvolvendo, elas começaram a ser produzidas de modo artificial, sendo pensadas mais como máquinas para atender a determinadas demandas de planejamento do que para serem desdobramentos inicialmente sem vocação nenhuma, resultantes daquele mero primeiro aglomerado humano. Neste momento, cidade é uma noção de ordem artificial que se aplica à ocupação informal de um território, e aí temos ela como objeto, apesar de ser mais uma ideia do que o objeto, pois ninguém pega a cidade, ninguém controla a cidade. A noção subjetiva de cidade, que é o que vale, transita incorporada nos que se deixam permear pelo código cultural mais estrito pertencente àquelas pessoas daquele ajuntamento plantado em terra naquele setor do planeta. Quanto mais a Ideia cidade é compartilhada como delírio coletivo, mais temos a sensação de ela existir. Dá medo de afirmar isso, mas gosto de pensar que a cidade é uma espécie de razão delirante.

Mas pra que serve mesmo a cidade eu preciso pensar. Continuo achando que ela não serve pra nada, apesar de tirarmos proveito dela.

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