Haisem Abaki
24 de fevereiro de 2013 | 14h16
Publicado pela 1a vez em 22/02/2008 10:00:00
Acordei animado no domingo que se seguiu às duas meias-noites que nos devolveram os 60 minutos roubados pelo horário de verão. Tinha combinado com o meu filho que iríamos ver um jogo de um dos nossos times do coração, o União Futebol Clube, que enfrentaria o Taubaté. Ele falou sobre o assunto a semana inteira.
– Pai, falta muito pra domingo?
Mas quando não faltava mais nada para domingo ele desistiu do programa para andar de bicicleta com a irmã. Normal, para quem tem quatro anos.
Fui sozinho, apesar de ouvir da minha mulher que estava trocando um passeio com eles por uma partida da terceira divisão. No caminho para o estádio, pensei que se pedisse ao meu pai ele iria comigo. Nos 43 anos em que convivemos, com um misto de firmeza de caráter e histórias bem-humoradas, ele me ensinou a ser um bicho que só sabe viver em grupo.
Na fila pra comprar o ingresso é que me dei conta de um fato inédito. Aos 43 anos, era a primeira vez que estava indo sozinho a um jogo de futebol. Sempre fiz isso com amigos e, mais recentemente, com meus três amores. Quase voltei, mas o bilheteiro foi rápido. Paguei os 10 reais e entrei.
Arrumei um lugar no meio de dois torcedores. O da direita parecia ter uns 30 anos e o da esquerda beirava os 70, ambos muito falantes. Fiquei meio deslocado, mas logo comecei a participar dos diálogos, sempre no papel de terceiro a falar. O curioso é que eles não disseram um só palavrão e parecia que haviam combinado a ordem da conversa. O mais novo sempre falava primeiro e já abriu a boca aos 5 minutos de jogo, com um ataque do adversário.
– Não sei não…
– Deixaram os caras entrar…
– É…
Quando o nosso atacante Almir fez a primeira jogada de perigo, o bandeirinha marcou impedimento.
– Que é isso ô bandeira, não tava não…
– Onde que esse cara viu impedimento?
– É…
E o animado bate-papo não parava.
– Esse Júlio César é bom, mas é muito mascarado…
– Ele precisa tocar rápido, tá muito devagar…
– É…
– Esse lateral loirinho vai pra cima, mas ninguém acompanha…
– Olha lá, olha lá, vai com ele, vai com ele… Ah, não…
– É…
Perto dos 20 minutos já estávamos íntimos. Foi quando o Almir entrou na área e chutou na saída do goleiro: 1 a 0. Na comemoração, levei um tapinha em cada ombro e, seguindo a ordem, proferi minha maior frase.
– É isso aí, é isso aí. Tem que tocar no Almir. Ele é o cara…
– É o melhor. Tem 38 anos, mas é o melhor…
– Éééééééééééééééééééééé…
E assim foi com a bola que o nosso time mandou na trave e no sofrimento do segundo tempo com o Taubaté martelando sem conseguir o empate.
Só recuperei o vocabulário na hora do almoço e nos dois aniversários que as crianças tiveram para ir naquela longa tarde. A semana seguiu normal até quinta-feira, quando minha mulher retomou o assunto.
– Você deixou a gente pra ver o União na terceira divisão! Se pelo menos fosse o Palmeiras na primeira…
Pra minha sorte, caiu um temporal que alagou Mogi. Ficamos presos na padaria perto de casa, onde tomamos o “capuccino da paz”. Fomos buscar as crianças na escola e na volta tentamos cinco caminhos diferentes para vencer a enchente e o congestionamento. Foram exatos 110 minutos para fazer um trajeto que seria de apenas quatro quilômetros. Foi praticamente o mesmo tempo, incluindo o intervalo e os acréscimos, de União x Taubaté, só que bem mais divertido, apesar do cansaço. Foi minha primeira enchente em família, aos 43, sem nenhum “É” desta vez.
…
Aqui vai um agradecimento especial ao companheiro Marcelo Duarte, que divulgou este blog no programa “Você é curioso?”, que apresenta aos sábados na Rádio Bandeirantes. Recebi muitas mensagens carinhosas dos ouvintes, mas não foi de graça. O Marcelo me fez degustar um refresco chinês de extrato de ginseng sem gelo e pediu que eu respondesse aqui o que senti.
– É…
Foi minha primeira e última vez, aos 43.
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