Haisem Abaki
24 de fevereiro de 2013 | 15h01
Publicado pela 1ª vez em 20/09/2008
Depois de muito tempo, um problema crônico que tenho desde criança voltou a se manifestar. Nunca achei que estivesse curado, só pensei que o quadro estava sob controle. Acabei descobrindo que a idade nos faz aceitar certas coisas, mas não nos deixa suficientemente imunes contra as recaídas.
A minha aconteceu numa tarde de sexta-feira, depois de ver, inconsolável, que um velho companheiro já não era mais o mesmo. Abri a sapateira e fiquei triste ao observar o pé direito do meu querido par de sapatênis rasgado. Pensei em levá-lo com urgência ao sapateiro, mas minha consultora para assuntos do mundo fashion deu a notícia que eu não queria ouvir:
– Isso não tem mais jeito, não… E olha que o pé esquerdo também não está lá essas coisas.
Resolvi deixar os dois quietinhos, num canto. Nada de jogá-los fora, apesar de não ser apegado a bens materiais. Mas o fato é que aquele impacto me fez ver que era hora de saber se estava curado ou se começaria tudo de novo. Não sei o nome clínico do mal que me atormenta, mas chamo o incômodo de “lojite aguda”. É isso. Fico impaciente quando tenho que ir a uma loja para comprar roupas e calçados. Não consigo ficar muito tempo nesses lugares e sempre preciso de companhia.
O problema é que estar junto com alguém nem sempre resolve. Minha mãe que o diga. Eu não gostava de nada e só ficava pedindo para ir embora. Minha chatice aumentava ainda mais quando ela tentava me convencer com uma frase pronta:
– Mas está na moda!
Não foram poucas as vezes em que saí correndo ao ouvir o tal argumento. De volta ao presente, pedi a minha consultora para assuntos do mundo fashion que me acompanhasse em busca de um novo par de sapatênis. Ela é sempre muito atenciosa, carinhosa e paciente e conhece os meus gostos e desgostos.
Gastamos sola de sapato por mais de uma hora. Entramos em três lojas e minha síndrome logo se manifestou. Primeiro, gostei de um modelo, mas não apreciei a cor. Depois, gostei da cor, mas não apreciei o modelo. Em seguida, me interessei por outro, mas deixei de lado ao ver o preço. A desculpa oficial só não foi essa porque havia uma frase incompreensível no calçado. Com exceção da marca, não gosto de nada escrito em roupas e calçados, principalmente quando não entendo o significado.
Os vendedores traziam caixas e mais caixas. Um deles, coitado, pronunciou sem saber duas frases que fizeram despertar em mim a incontrolável vontade de ir embora:
– Esse está na moda…
– Esse modelo está tendo muita saída…
Aos poucos, outros vendedores e clientes começavam a olhar para nós e minha doce consultora para assuntos do mundo fashion percebeu que aquilo não ia dar pé. Tínhamos outros compromissos e demos no pé sem levar nada. Cada um foi para um lado. Percebi uma certa decepção no rosto dela e achei que era hora de enfiar o pé e chutar meu problema para bem longe.
Depois de um bate-papo gostoso com um amigo, na padaria, segui em passos firmes e decididos para o shopping. Olhei com determinação para a vitrine e pedi três pares ao vendedor. Ele apareceu com as três caixas e me concentrei para não desviar o foco. Experimentei, olhei para o espelho e mesmo em dúvida, falei com voz decidida:
– Eu quero este aqui, por favor;
Foi exatamente assim, ou quase assim, quer dizer… mais ou menos assim. Está bem, eu vou contar. Na frente do vendedor, liguei para minha consultora para assuntos do mundo fashion e perguntei qual combinaria mais com as minhas roupas, o marrom claro ou o mais escuro.
De volta para casa, tive o total e irrestrito apoio dela:
– É, tá bonito… Tá bom, vai…
Sem dúvida, foi um primeiro passo e espero tomar pé da situação e seguir em frente nessa caminhada. Minha meta é deixar de ser aquele menino birrento que não gostava de usar sapatos especiais para corrigir os pés chatos. Só os pés, gente!
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