Edison Veiga
04 de março de 2015 | 00h57
Em parceria com FELIPE RESK
Acampados desde 17 de janeiro no terreno de 23,7 mil metros quadrados que querem ver transformado no Parque Augusta, na região central, ativistas prometem uma “resistência pacífica” contra a reintegração de posse, prevista para ocorrer na manhã de hoje.
Na tarde de ontem, a Sociedade de Amigos, Moradores e Empreendedores do Bairro de Cerqueira César (Samorcc) pediu a suspensão do processo, o que foi negado pelo juiz da 5.ª Vara Cível do Fórum Central da Comarca de São Paulo, Gustavo Coube de Carvalho.
“Todas as nossas decisões são horizontais e tomadas em assembleia”, diz uma das participantes do movimento, a jornalista Henny Freitas (foto acima), de 33 anos. “O que posso dizer é que teremos o apoio, na madrugada de quarta-feira, de vários outros grupos que atuam na cidade e estão solidários à causa.”
Resistência. Na madrugada de hoje, estava prevista maratona de eventos até a chegada da Polícia Militar para a reintegração de posse. Na programação, haveria desde mutirão de grafite até meditação kundalini.
Henny afirma que em pouco mais de um mês de ocupação – ou “vigília criativa”, como preferem chamar – do terreno, os ativistas desenvolveram uma série de atividades e melhorias.
“O Parque Augusta começou a acontecer, pois já é frequentado pela vizinhança”, diz. Segundo os ativistas, a área recebeu a visita de dez grupos de crianças, de colégios diferentes, para oficinas ambientais. Mais de 200 mudas de árvores foram plantadas – entre as quais, pau-brasil, embaúba, mogno, louro-pardo e açoita-cavalo. O grupo também construiu dois domos geodésicos, que funcionam como espaços de convivência.
O terreno também ganhou internet Wi-Fi, com rede aberta a todos os frequentadores, uma pequena biblioteca comunitária (foto acima) e locais para destinação de lixo reciclável; catadores e uma cooperativa retiram o material. Foram instaladas ainda duas cisternas para coleta da água da chuva e duas composteiras, além de uma placa de energia solar (foto abaixo).
Por meio de nota, as construtoras Cyrela e Setin, proprietárias do terreno, se limitaram a afirmar que a decisão da reintegração de posse é do Poder Judiciário. A liminar foi concedida em favor das construtoras no dia 21 de janeiro. A Polícia Militar e os ativistas concordaram que o processo acontecesse somente na manhã de hoje.
Histórico. Construtora de um lado, ativistas de outro e poder público entre ambos. Se agora existe uma longa contenda para definir o futuro do terreno, ao menos em um tema há de existir consenso: foi um colégio, tradicional e para meninas, o responsável pela aura histórica que reside naquele solo hoje em disputa.
Em 1902, um casarão foi erguido ali. Projeto do francês Victor Dubugras (1868-1933), o palacete fora construído para abrigar a família Uchôa – daí o nome Vila Uchôa (imagem acima). Entretanto, apenas quatro anos mais tarde, o conjunto acabou vendido para as religiosas de Nossa Senhora das Cônegas de Santo Agostinho.
As irmãs queriam transformar o local em colégio tradicional para moças, espécie de filial paulistana do parisiense Colégio Notre-Dame Des Oiseaux. O prédio foi ampliado e adaptado para o uso escolar. A escola (foto abaixo) funcionou de 1907 a 1969. Entre as personalidades que estudaram ali estão a ex-primeira-dama Ruth Cardoso (1930-2008) e a senadora Marta Suplicy.
O arquiteto e urbanista Benedito Lima de Toledo, professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU-USP) tem um rico acervo com imagens de detalhes arquitetônicos do Colégio Des Oiseaux (algumas destas imagens ilustram este post).
Em artigo disponível neste link, o especialista defende a transformação do terreno em parque público, com apelo até então inédito à discussão: as crianças abrigadas por outra casa religiosa, o Lar Nossa Senhora da Consolação, ali ao lado.
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Suplicy deve acompanhar o caso
Para vereadores, reintegração é ‘desnecessária’
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), designou o secretário de Direitos Humanos, Eduardo Suplicy, para acompanhar a reintegração de posse. Ontem, os vereadores Aurélio Nomura (PSDB), Gilberto Natalini (PV), Ricardo Young (PPS) e Toninho Véspoli (PSOL) enviaram ofício à Prefeitura pedindo a intervenção do governo municipal, com apoio da presidente da Sociedade dos Amigos, Moradores e Empreendedores do bairro Cerqueira César, Célia Marcondes.
Segundo eles, a reintegração é desnecessária. “Considerando que, com o levantamento do dinheiro pelo Ministério Público, para a compra do parque, uma negociação amigável já vem sendo desenvolvida, estando as partes na mesa de negociação.”
Leia mais:
>Cronologia: a história do terreno.
>Arquiteto da USP defende função ‘nobre’ para local.
>Associação de moradores critica ocupantes do Parque Augusta.
>Juiz mantém reintegração de posse.
>Vereadores querem ajuda de Haddad para impedir reintegração de posse.
>Conpresp entende como ‘vitória’ aprovação de projeto do Parque Augusta.
>Dinheiro ‘do Maluf’ pode ser usado para Parque Augusta.
>Lei determina parque em 100% do terreno.
>Outra visão sobre a questão do Parque Augusta, pelo arquiteto Benedito Lima de Toledo.
>Associação defende projeto das construtoras.
>Associação quer permuta para que a Prefeitura assuma o controle do Parque Augusta.
>Presidente de construtora detalha como é o projeto do parque.
>Entenda o histórico do Parque Augusta.