Edison Veiga
11 de maio de 2013 | 17h21
SAÚDE
‘Sr. Testículo’ ganhou os blogs e redes sociais na última semana, mas há outros estranhos personagens criados para campanhas educativas
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Na última semana, ele virou piada nas redes sociais e ganhou até um Tumblr em sua homenagem (escrotinho.tumblr.com). Mas a história do Sr. Testículo é séria e cheia de boas intenções. O mascote foi criado no ano passado com a nobre missão de alertar a população masculina sobre a importância de um diagnóstico precoce para o tratamento de câncer de próstata.
Com forma caricata alusiva ao órgão sexual masculino, o mascote faz parte da campanha Quem É Amigo Dá Um Toque, promovida pela Associação de Assistência às Pessoas com Câncer (Aapec), entidade com sedes em Ipatinga, Governador Valadares e Viçosa, em Minas Gerais. Em eventos da região, um voluntário da campanha costuma se fantasiar do personagem e, assim como um Zé Gotinha, interagir com a população.
No fim do mês passado, o Sr. Testículo circulou pela 9.ª Festa do Cavalo e Muares de Viçosa. Fotografado, caiu nas graças dos internautas brasileiros. “Tanto as crianças como os adultos adoraram tirar fotos com o mascote da Aapec, um simpático boneco no formato de testículo, que por onde passou chamou a atenção de todos”, afirma texto do próprio site da associação – este trecho, aliás, é destacado na imagem do boneco que mais tem repercutido no Facebook.
“Não entendo por que tanto zunzunzum”, comenta a assistente social Simone Santos Almeida, integrante da equipe que desenvolveu o mascote. “A associação é séria, idônea. Não podemos ser chicoteados. A comunidade precisa ser alertada para se cuidar.” Apesar da repercussão, a assistente social garante que o Sr. Testículo continuará marcando presença.
“Ele funciona como um jingle. Marca as pessoas, todos gravam melhor a mensagem”, afirma Simone. A assistente social acredita que a polêmica toda em torno do personagem também traz reflexão. “Tenho certeza de que mais gente passou a se preocupar em procurar um médico e fazer exames”, diz a profissional. “Fazemos para chamar a atenção da sociedade: o boneco é um olhar crítico, um estímulo para que os homens se cuidem.”
Outros casos. Não é o único caso de mascote polêmico na área da saúde. No ano passado, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) lançou o Chaminha, um mascote vermelho, como se fosse uma labareda ambulante – e com semblante raivoso. A ideia da entidade era alertar sobre os agentes causadores de queimaduras – o texto que acompanhava a divulgação do personagem, no ano passado, informava que somente o Hospital João XXIII, de Belo Horizonte, recebe uma média de cem pacientes com queimaduras por dia.
O mascote passou a visitar internados e apareceu em ações externas, sempre divulgando a causa. Mas a repercussão não foi das melhores – talvez porque não soe legal um personagem “pegando fogo” ao lado de crianças hospitalizadas em decorrência de queimadura, por exemplo.
O Estado entrou em contato com a assessoria de imprensa da Fhemig, pedindo para entrevistar o responsável pela criação do Chaminha e solicitando mais informações sobre o personagem e os resultados das ações que tiveram a participação dele. Por telefone, a instituição limitou-se a dizer que o mascote não é mais utilizado e ninguém estava autorizado a dar qualquer entrevista sobre o assunto.
Anos atrás, a clínica carioca Rio Gastro Clínica lançou o Gastrinho, um mascote que até hoje está presente nos e-mails e folders da empresa – apesar de ter sido retirado do site há cerca de cinco anos. “Ele foi criado para atingirmos de uma maneira nova e moderna todos que têm problemas digestivos. Com ele, saímos do anacronismo e da seriedade de algumas publicações”, afirma o médico gastroenterologista José Figueiredo Penteado, fundador e diretor da Rio Gastro Clínica.
“O Gastrinho foi um jeito meio moleque, meio jocoso (que encontramos para tratar do tema)”, prossegue o médico. “Em nossa cultura, ninguém dá valor ao aparelho digestório, que é o abastecedor e mantenedor de todo o organismo. As preocupações dos doentes são com o coração, a pressão, a diabetes e a estética.” Em 2007, o personagem foi homenageado com uma comunidade própria no Orkut.
Mesmo com injetáveis, Zé Gotinha continua
“Nunca imaginei que meu personagem ficaria tão famoso.” A frase é do artista plástico Darlan Rosa, o criador do mais famoso mascote da história das campanhas de saúde brasileiras, o Zé Gotinha.
Ele conta que o personagem foi inventado em 1986, após ter acompanhado uma campanha de vacinação no Nordeste. “Eu era funcionário público federal e nessa época estava no Ministério da Educação – depois fui para o da Saúde. Fui ver a campanha e fiquei impressionado negativamente”, lembra. “O Exército estava apoiando e parecia uma operação de guerra. Eram crianças correndo, se escondendo debaixo da cama, todas com medo. Aí eu imaginei o seguinte: precisamos fazer da vacinação um dia de festa, para que a criança tenha vontade de participar.”
O Zé Gotinha foi criado e rapidamente incorporado ao imaginário infantil. Tornou-se um símbolo não só da vacinação em gotas, mas de todas as oferecidas pelo Ministério da Saúde – de modo que mesmo com o sistema atual em que o combate à pólio também é feito com vacina injetável, alternando-se com a dose oral, não há planos para aposentar o mascote. “Ele é um ícone das campanhas”, afirma o Ministério da Saúde, em nota enviada pela assessoria de imprensa.
Reportagem publicada originalmente na edição impressa do Estadão, dia 12 de maio de 2013
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