Edison Veiga
14 de maio de 2012 | 16h10
Centro Cultural recebe os arquivos de seu idealizador e fundador, Mário Chamie
Em parceria com ARTUR RODRIGUES
Trinta anos depois de sua inauguração, o Centro Cultural São Paulo (CCSP) recebe o acervo documental de seu idealizador e fundador, o poeta Mário Chamie (1933-2011), que foi secretário municipal de Cultura entre 1979 e 1983. São mais de mil fotos, 12 cadernos com todos os eventos culturais realizados no período em São Paulo, publicações da Secretaria da Cultura, fitas de vídeo, slides e mapas.
As tratativas para a doação do acervo, que ajuda a reconstituir parte da história cultural do Município, foram feitas entre a filha do poeta, a cineasta Lina Chamie, e o atual secretário de Cultura, Carlos Augusto Calil. “Esses documentos ajudam a entender não só a atuação do papai na época, como a efervescência cultural da cidade. São importantes para mostrar um momento em que havia uma preocupação em democratizar a cultura, torná-la mais acessível”, comenta Lina.
Entre as fotos, há imagens inéditas da construção do Centro Cultural São Paulo, interessantes fotos que mostram os modernos computadores da época – a biblioteca do local já era informatizada – e registros de outras atividades culturais da capital. Organizados cronologicamente, os cadernos dos eventos realizados na cidade contêm, além dos folders de divulgação – um prato cheio para pesquisadores de design gráfico, por exemplo –, também anotações sobre a eficácia das atividades, algumas feitas de próprio punho por Chamie.
Trinta anos atrás, na inauguração do Centro Cultural, um repórter, capciosamente, fez uma comparação de Chamie com outro Mario, o de Andrade – que foi chefe do então Departamento de Cultura. E perguntou se, assim como Mario de Andrade foi homenageado com uma biblioteca, ele, Chamie, não fazia aquilo antevendo a possibilidade de seu nome um dia batizar o espaço. “Há mários que vêm para o bem, e dos mários o menor sou eu. Não tenho pretensão nenhuma”, respondeu. Mas desde 24 de janeiro deste ano a Praça das Bibliotecas, no coração do Centro Cultural São Paulo, se chama Espaço Mário Chamie.
Futuro. Além de preservar o passado, o Centro Cultural se equipa, com reformas nas salas de cinema e de artes cênicas, e se adapta às mais modernas tecnologias de acessibilidade – o que inclui até um scanner de livro voltado a deficientes visuais.
“O Centro Cultural cumpriu sua função nesses 30 anos. Agora, se repensa sobre qual é a função no século 21, com avanço das novas mídias digitais”, afirma o diretor, Ricardo Resende. De acordo com ele, o local mostra que tem como vocação ser um ponto de convergência 2de vários grupos. “Não existe conflito entre os públicos. O pessoal do xadrez, por exemplo, tem as mesas demarcadas, e os estudantes sabem que têm de ceder lugar.”
Até o desenho do
local era manifesto
contra a ditadura
Os censores não perceberam, mas, ao desenhar o prédio do Centro Cultural São Paulo, cheio de curvas, quase sem portas, os arquitetos Luiz Telles e Eurico Prado faziam também um manifesto. “Tudo era censurado na época. Mas eles não tiveram conhecimento para fazer isso com a arquitetura. Ou o Centro Cultural não teria saído”, afirma Telles.
O projeto do centro é de 1975, e a essa altura vários amigos dos dois arquitetos haviam desaparecido. O espaço foi criado inicialmente para ser um anexo da Biblioteca Mario de Andrade, cuja estrutura – tanto de funcionamento quanto física – era vista como ultrapassada pela dupla. “Esse projeto foi para mudar todo o esquema e fazer uma retomada da liberdade. Queríamos um espaço difícil de botar porta, outras divisórias. A questão das curvas era importante no sentido do acolhimento ao público.”
Reportagem publicada originalmente na edição impressa do Estadão, dia 13 de maio de 2012
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