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Espaços públicos, caminhadas e urbanidade.

"Ser pedestre é estar aberto às experiências e ao mundo". Uma conversa com Victor Andrade, sobre o novo livro Cidades de Pedestres.

Por Mauro Calliari
Atualização:

Foto de Alexander Rodchenko, 1930 Foto: Estadão

Conversamos com Victor Andrade, professor de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, que, em conjunto com Clarisse Cunha Linke,organizou o livro Cidades de Pedestres, editado pela Editora Babilônia.

O livro que foi lançado na semana passada poderia se chamar "Tudo o que você precisa saber sobre a caminhabilidade e teve medo de perguntar", tamanha a sua abrangência. São 37 especialistas, que contam o que anda acontecendo em matéria de mobilidade a pé no Brasil e no mundo.

 

Victor Andrade Foto: Estadão

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O que explica o fato de terem surgido tantas organizações e iniciativas pelos pedestres nos útlimos anos?

 Houve uma inflexão paradigmática na maneira como a sociedade brasileira avalia as suas condições de deslocamento, principalmente diante da problemática da mobilidade urbana nas grandes cidades. Isso tem se refletido tanto na academia, principalmente na área de Saúde Coletiva, na de Arquitetura e Urbanismo e na do Planejamento Urbano, assim como nas organizações e iniciativas da sociedade civil atuantes em prol de cidades mais caminháveis.

A busca por uma maior qualidade de vida individual, coletiva e ambiental, junto à procura por uma melhor otimização dos meios e custos de deslocamentos, é certamente algo que explica esse fenômeno.

Podemos entender o ativismo dos pedestres como tendo sido inspirado no cicloativismo?

Sim. O cicloativismo é um precursor da caminhabilidade, muito embora o andar a pé seja a modalidade de deslocamento mais primária de todas. A mais antiga, em termos objetivos. De fato, o ativismo dos pedestres se inspira no cicloativismo brasileiro, que tem atingidoresultados positivos graças ao amadurecimento resultante de uma organizada pressão política, poder de agenda e produção de dados em parceria com instituições de pesquisa, fortalecendo continuamente a narrativa do transporte ativo.

Você acha que existe um "espírito do tempo" que apóie o caminhar e a redescoberta a pé da cidade?

Evidentemente. Hoje em dia, vivemos um cotidiano influenciado por um modelo de urbanização galgado fortemente no transporte individual motorizado, que remonta aos anos de 1950. De fato, nós estamos sofrendo todas as mazelas da concretização desta visão de futuro construída no século XX e baseada no ultrapassado paradigma do veículo motorizado e individual. Com isso, temos enfrentado o desafio das severas mudanças climáticas, o crescimento das doenças crônicas e o acirramento da intolerância social. Seguramente, o combate a esses desafios também passa pela implantação de novas estratégias de desenvolvimento urbano que valorizem o pedestre e a escala humana. O caminho para cidades resilientes e de baixo carbono, com cidadãos ativos e mais tolerantes passa inevitavelmente pela valorização dos pedestres. Nesse contexto, percebe-se o quanto caminhar é revolucionário e democrático e o quanto, também, é imprescindível para nós e as futuras gerações.

Como é possível conciliar a ideia de caminhar pela cidade densa e de uso misto com a realidade da cidade informal e da periferização desnucleada?

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Esse é um grande desafio das metrópoles brasileiras que cresceram predominantemente na informalidade e carentes de um planejamento metropolitano.Vejo as metrópoles como instigantes laboratórios nos quais se aglomeram os nossos maiores enfrentamentos, mas também o palco de soluções incrivelmente criativas que indicam caminhos possíveis para um futuro melhor.

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Primeiramente, é necessário o fortalecimento das instituições de planejamento e a implantação de políticas de uso do solo e zoneamento que nos condicionema um crescimento mais sustentável e inteligente. O espraiamento urbano precisa ser evitado, assim como as áreas providas de infraestrutura de transporte de massa deveriam ser mais densificadas.

Em paralelo, precisamos começar a olhar mais para as boas práticas de desenho urbano e mobilidade existentes no mundo e aplicá-las nas áreas informais da cidade em prol do compartilhamento de ruas mais vibrantes e com maior permeabilidade. É essencial refletir como os urbanistas e gestores públicos podem inserir estas áreas na formalidade e, assim,valorizar novas formas de fazer-cidade e viver a cidade. Viva a diversidade!

Por último, é fundamental a consciência de que a cidade deve ser dos pedestres e também do transporte público. A solução para uma cidade mais caminhável é investir na intermodalidade. Precisamos possibilitar aos cidadãos a oportunidade de locomoção combinando o modo a pé com outros modais de transporte público de forma eficiente e agradável em suas jornadas diárias.

 

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Quais são os países que têm feito mais progresso na defesa dos pedestres?

O norte europeu, a exemplo da Dinamarca, está reconhecidamente na avant-garde da defesa dos pedestres. Nos Estados Unidos, temos visto avanços significativos em cidades como Nova York, Portland e Miami. Na América Latina, são boas referências a Cidade do México e Bogotá. Na Ásia, Taipei e Cingapura também são ótimos exemplos.

Eu sou um otimista e não posso esquecer de mencionar o Brasil, que vem progredindo bastante nesse campo. Em São Paulo, é emblemática a política de redução de velocidade e o fechamento da Avenida Paulista aos domingos. No Rio de Janeiro, a derrubada do Elevado da Perimetral, grande e extenso viaduto que passava sobre a orla da região central, para a construção de um parque linear foi uma intervenção muito simbólica na luta pela valorização do pedestre e pela transformação do centro da cidade. Estas são ações impensáveis há uma, duas décadas atrás, e que trazem o pedestre para o protagonismo do espaço público.

 

Quais são os fatores mais importantes para uma melhor "caminhabilidade" nas grandes cidades brasileiras?

Eu apontaria seis fatores importantes.

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Em primeiro lugar a calçada, que incorpora a dimensão relativa à infraestrutura e às condições físicas da superfície por onde o pedestre caminha.

Em segundo, a segurança viária, pois ruas com velocidade reduzida para automóveis tendem a ser mais amigáveis à circulação de pedestres.

Em terceiro, o desenho urbano, com a adoção de pequenos quarteirões, viabilizando dessa maneira uma maior permeabilidade do tecido urbano pelo pedestre.

Em quarto, a atratividade das fachadas de edifícios e imóveis em geral, aspecto que favorece um maior dinamismo aos deslocamentos a pé.

Em quinto lugar, a segurança pública, que incide tanto nos indicadores físicos que transmitem a sensação de segurança, como uma boa iluminação, por exemplo, assim como nas questões de vulnerabilidade social mais corriqueiras de países com profundas desigualdades, como é o caso do Brasil.

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Por último, as condições ambientais, que englobam as ruas arborizadas e, portanto, mais confortáveis desde um ponto de vista térmico. A minimização da poluição sonora e atmosférica também são elementos desse último grupo e que contribuem da mesma maneira para uma melhor caminhabilidade.

 

Você está envolvido em um projeto que visa medir o impacto de uma ciclovia em Pinheiros. Como é esse projeto?

Esse projeto se chama "Ciclovia em Pinheiros: Estudo de Impacto na Vitalidade Econômica Local" e está sendo organizado pelo LABMOB e pela Ciclocidade em parceria com a Aliança Bike, a Associação Comercial de São Pauloe a Secretaria Municipal de Trânsito/CET de São Paulo.

O objetivo é analisar o impacto na vitalidade econômica local da construção de uma infraestrutura cicloviária em Pinheiros, mais especificamente nasruas Costa Carvalho e Eugênio de Medeiros. A expectativa é poder mostrar à sociedade civil, aos comerciantes e ao poder público, em geral, que a adoção de infraestrutura para a mobilidade ativa em locais até então dominados pelos veículos motorizados e por suas áreas de estacionamento tem grande potencial de alavancar o desenvolvimento econômico e a vitalidade urbana das ruas comerciais. Há muitos estudos no mundo indicando que ruas desenhadas para pedestres e ciclistas tendem a ter um comércio mais vibrante. Acreditamos que este projeto contribuirá para um melhor entendimento da importância dos pedestres e ciclistas na economia e comércio locais.

 

Você acredita que pessoas que não são já convertidas podem se interessar pelo seu livro?

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Todos nós, em algum momento do dia, nos locomovemos a pé. Caminhar é um ato universal e primário ao cotidiano das pessoas que tenham ou não limitações permanentes de locomoção. Neste sentido, eu acredito que este livro possa colaborar para que os leitores pouco afeitos à caminhabilidade consigam ter a dimensão do que é ser pedestre no Brasil, incluindo seus desafios e particularidades diante de um cenário tão hostil como é o das cidades tomadas pela hegemonia dos automóveis motorizados. Se pelo menos a leitura conseguir proporcionar uma maior empatia desses "não convertidos" para com aqueles que são majoritariamente pedestres, já será um grande ganho.

 

Você anda a pé pelo Rio de Janeiro? Quais são os lugares mais aprazíveis para você? E quando está em São Paulo?

Sim, ando a pé diariamente, mas utilizo bastante a intermodalidade. É corriqueiro complementar meus trajetos a pé com o uso do metrô. Na minha vizinhança, ando a pé principalmente para ir ao supermercado e à praia, onde também passeio pelo calçadão.

Também gosto muito de caminhar a lazer ou a trabalho pelo Centro do Rio e pelas ruas do Leblon, de Ipanema e da Tijuca. Em São Paulo, estou sempre caminhando pela Avenida Paulista, Rua Augusta e arredores. Acho inspirador vivenciar a cidade através do caminhar, tendo a oportunidade de perceber as suas cores, texturas e tantas outras particularidades. Ser pedestre é estar aberto às experiências e ao mundo!

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