Uma semana depois de ser escolhido como um dos 50 melhores restaurantes do mundo, a Casa do Porco foi protagonista de uma estranha polêmica na internet.
Várias postagens começaram a acusar o chef Jefferson Rueda de ocupar a calçada em frente ao restaurante e impedir a passagem de pessoas. Um artigo particularmente incisivo acusa o restaurante de praticar um golpe de marketing ao trazer clientes ricos para seu restaurante e expulsar os sem-teto que dormiam ali perto.
Há dois dias, por coincidência ou não, a prefeitura de São Paulo anuncia que vai passar a cobrar de restaurantes e bares pelo uso das mesas nas calçadas.
Estamos diante de mais um caso do conflito tão comum em São Paulo: como conviver no espaço público.
É nas calçadas, praças e ruas que os interesses entre pessoas diferentes ficam evidentes. Esse caso, especialmente, traz alguns aprendizados interessantes, que podem ser usados se quisermos pensar em como avançar na resolução de problemas:
1. É melhor explicitar o conflito do que escondê-lo
É saudável ver uma polêmica como essa virar pauta para a cidade.
Os conflitos cotidianos muitas vezes ficam escondidos e o resultado normalmente é que os mais fracos - pedestres, cadeirantes, pessoas que não pertencem a entidades - não conseguem sequer ser ouvidos. Reconhecer o conflito deveria ser o primeiro passo para resolvê-lo.
2. A cidade de São Paulo tem leis para quase tudo, mas a Prefeitura não consegue fiscalizá-las
Já existe uma farta regulamentação a respeito de mobiliário em calçadas. Mesas, cadeiras e toldos são permitidos, desde que deixem um espaço mínimo de 1,20 metros para calçada e que não atrapalhem a circulação.
Simples, não? Pois o fato é que os fiscais da Prefeitura são poucos, têm múltiplas prioridades e acabam não interferindo quando deveriam, como nesse caso.
Eu passei pela calçada da Casa do Porco ontem. Está claro que os limites não estão sendo cumpridos.
O toldo, particularmente, atrapalha em muito a circulação. Um fiscal atento já teria entrado em contato com o restaurante, inicialmente orientando e posteriormente multando se fosse o caso.
3. Está faltando bom senso
Nesse caso, temos um pleito razoável de moradores e passantes -- "preciso ser capaz de andar pela calçada" -- e um pleito razoável de uma instituição respeitável -- "ofereço boa comida, tenho muitos clientes e gostaria de acomodá-los dignamente enquanto esperam". Imaginando a boa fé de todos os envolvidos, nada mais simples de resolver.
Do lado dos reclamantes, não dá para inputar a um restaurante mais responsabilidade do que ele já tem - fazer boa comida, contratar pessoas boas, atrair clientes, pagar impostos.
Do lado do restaurante, o que cabe é realmente ser mais ágil, justamente por ter mais visibilidade do que outros, para mudar a configuração externa e tirar esse toldo absurdo.
Ali pertinho da Casa do Porco, há vários restaurantes com soluções simples, uma delas de uma lanchonete de hotdogs, do mesmo Jefferson Rueda.
4. O comércio tem um papel fundamental na manutenção da vitalidade das ruas
Lojas, bares, farmácias, academias. Cada estabelecimento comercial aberto na cidade traz a possibilidade de termos calçadas melhores. É do interesse deles que a rua esteja limpa e os acessos fáceis. É do nosso interesse que floresçam pequenos estabelecimentos nas ruas e que eles tenham sucesso. Desde Jane Jacobs, a americana que escreveu o livro mais influente de urbanismo da história, todo mundo sabe o quão importante o comércio é para a vitalidade da cidade.
É importante saudar a chegada de restaurantes no centro que se relacionam com as ruas e reúnam pessoas, como a Dona Onça, Z-Deli, Olivier, mas também a sobrevivência dos botecos sem grife que oferecem comida honesta e mesas nas calçadas com urbanidade.
A questão é que há muitas lojas e bares que apenas sobrevivem e outros que explodem e acabam atraindo multidões. A Casa do Porco é uma delas. O sucesso é justificado: a comida é espetacular, para quem pode pagar, é claro. As pessoas fazem fila para conseguir comer. A fila invade a calçada e o conflito se instaura.
O que deveria ser um motivo de comemoração - ter mais um lugar no centro que atrai pessoas - passa a ser um motivo de preocupação.
5. Já passou da hora de alargar algumas calçadas
Pensando além da lei atual das calçadas, há uma solução óbvia para conflitos como esse: aumentar a largura da calçada.
A gente se acostumou a pensar na rua como algo imutável mas não é. Se há vinte, trinta pessoas espremidas na calçada enquanto dois ou três carros se refestelam em 70% do espaço, algo está errado.
Claro que a prefeitura tem que fazer estudos, medir, etc, mas há ocasiões em que o bom senso pode vir a ser um bom conselheiro.
Queremos bons restaurantes e bares, de todos os preços, para todos os públicos, principalmente numa região tão emblemática quanto o centro.
Também queremos que as pessoas possam passar tranquilamente pelas calçadas enquanto outras sentam numa mesa e usufruam do movimento. Não parece tão difícil.