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Espaços públicos, caminhadas e urbanidade.

Há 50 anos, São Paulo ganhava seu pior presente de aniversário, o Minhocão

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Por Mauro Calliari
Atualização:

No aniversário de São Paulo do ano de 1971, os paulistanos foram apresentados ao novo viaduto Costa e Silva. A obra que hoje talvez parecesse fora de propósito, fora projetada e construída em apenas um ano. Numa época em que os prefeitos biônicos não encontravam dificuldades para aprovar seus projetos, Paulo Maluf apostou em um eixo viário para acelerar a ligação entre a região oeste e leste.

 

O congestionamento no dia da inauguração já dava o tom da verdadeira vocação do novo monstrengo: destruir a região onde passava e suas vizinhanças.

 

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A cicatriz rasgou o centro e seu entorno nunca se recuperou. Para os que moram, poluição sonora, visual e ambiental. Para os vizinhos, uma barreira escura, úmida e amedrontadora a pé. Para comerciantes, um afastador de clientes.

 

Gradualmente, o Minhocão, apelido talvez carinhoso demais para o monstro de concreto, foi ganhando algum respiro. Primeiro foi o fechamento para carros aos domingos, depois aos sábados e noites, até que São Paulo mostrasse aquilo que tem de melhor: as pessoas foram ocupando o elevado, a pé ou bicicleta, com eventos, pinturas e até comida. No último plano diretor, decretou-se que o viaduto iria deixar de funcionar, virando um parque ou sendo destruído.

 

Recentemente, trocou de nome, mas ninguém chama o elevado pelo nome de João Goulart. É Minhocão mesmo e a mudança de caráter do uso conta muito mais sobre as mudanças dos seus habitantes do que são gestores.

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Esse continuam sem conseguir abrir espaço para uma discussão adulta, aberta, inteligente. Sem se converter em parque, sem ser destruído, o Minhocão permanece como uma lembrança das coisas ruins da cidade, a zombar de todos os que vieram depois dele.

 

Diante da iniquidade do monumento, o embate entre a demolição e o parque teria tido o poder de nos colocar ao lado das cidades que tomaram decisões corajosas, como o Rio de Janeiro, Seul ou São Francisco, que optaram por mandar ao chão seus viadutos. O nosso continua lá, como uma assombração. Pois bem, a assombração está fazendo 50 anos, no mesmo dia do aniversário de fundação da cidade, que talvez merecesse um presente melhor.

 

Uma solução poderia ser o tal parque, outra poderia ser uma demolição parcial e há os que, como eu, advogam que simbolicamente seria ótimo poder não ver a estrutura lá nunca mais. O fato é que qualquer solução é melhor que nenhuma. O que não faz sentido é assistir ao cinquentenário dessa excrescência urbana num mundo que anda botando abaixo seus monstrengos, corrigindo erros do passado e fazendo as pazes com seu futuro através de bons projetos. Aqui, parece que cabe a nós apenas soprar as velinhas desse bolo insosso e poeirento.

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