A rua onde eu passei todas as tardes da minha infância foi fechada. Primeiro uma cancela, depois um portão. O que virá depois?
A rua Selma, no Campo Belo, era sem saída e tinha só um quarteirão, mas tinha todo tipo de gente e de casas, desde um quase barraco num grande terreno cheio de mato até a "casa do desembargador", que era muito imponente, apesar de eu não ter a menor ideia do que seja um desembargador até hoje. Alguém que desembarga?
Mas o importante é que, todas as tardes, tinha futebol.
Sem ninguém combinar, o pessoal ia aparecendo: o PedrÃO, o SErgiÃO, o SilviÃO e o PaulINHO, que, apesar do diminutivo, era maior que os outros e foi o único a ter coragem de pular uma fogueira numa festa de São João. Havia outros, Felipe, Valdemar, Junior, meus irmãos... Meninas? Só me lembro de uma, a Selma, que, sim, foi quem deu o nome à rua, mas, não, não jogava futebol. Meninas não jogavam futebol naquela época.
O interessante é que esses meninos só se encontravam na rua, nunca nas casas. A rua era nosso quintal e era ali, numa instintiva separação entre o público e o privado, que acontecia o encontro. O jogo se dissolvia automaticamente com o primeiro grito de mãe, chamando para o banho, ou a lição, ou o jantar.
Nunca mais vi aquelas pessoas, mas me dou conta de que elas fazem parte da minha história e da história de uma cidade que ainda permitia jogo de futebol na rua.
Dei um jeito de passar por lá duas vezes em caminhadas. Talvez buscasse encontrar alguém ou uma sensação do passado. Na primeira vez, encontrei uma cancela e a rua estava vazia. Na segunda, um portão e a rua continuava vazia. Tenho medo do que poderei encontrar da próxima.