Paraty acabou de hospedar a Flip. O encontro sobre letras e livros atraiu multidões, gerou debates interessantes, conversas inteligentes, alguma polêmica e muitas festas pela cidade.
Nos mesmos dias, por acaso, estive num cenário parecido mas muito mais vazio, as cidades históricas de estado de Goiás, especialmente Goiás Velho e Pirenópolis.
Levei alguns livros e acabei fazendo minha própria Flip, ou a Flig, a feira do livro de Goiás.
O primeiro deles foi Raízes do Brasil, do Sergio Buarque de Holanda, que me ajudou a pensar na cidade colonial por onde eu caminhava. Há um capítulo em que ele compara as cidades construídas na América Colonial sob ocupação espanhola e portuguesa.
As espanholas, como Lima ou Cidade do México e tantas outras, foram construídas com a firme intenção de espelhar o poder do império espanhol, penetrando no interior do continente e construindo suas cidades a partir de uma praça central, e de um rigoroso plano em xadrez.
No Brasil, ao contrário, nos primeiros séculos, o esforço português estava na extração e as cidades tiveram um desenvolvimento modesto, irregular.
Daí a famosa comparação: o semeador e o ladrilhador.
O espanhol, como um ladrilhador, aplicaria seu modelo a qualquer cenário, buscando a regularidade do traçado desde o México até a Argentina.
O português, ao contrário, semearia suas cidades por aí, e elas floresceriam quase organicamente, respeitando curvas de nível e o relevo.
O fato é que tanto Pirenópolis quanto Goiás convidam ao caminhar e a refletir sobre a vida nas cidades. Como outro livro que eu li, de Cora Coralina, a poeta que viveu na cidade de Goiás e que descreve assim a cidade:
"Goiás, minha cidade ...
eu sou aquela amorosa
de tuas ruas estreitas,
curtas,
indecisas,
entrando,
saindo
umas das outras."
A minha Flip/Flig foi assim, uma conversa direta com o Sergio Buarque de Holanda, Cora Coralina e outros autores, entremeada por passeios entre casas centenárias e encontros fortuitos.
Mas o maior prazer das cidades coloniais brasileiras é andar a pé tarde da noite, quando os bares fecham e as ruas ficam quase desertas.
É nessa hora que a gente ouve apenas o som dos pés batendo nas pedras e ecoando nas casas centenárias.
Andar pelo calçamento irregular exige concentração para não torcer o pé, mas dá um enorme prazer em farejar um passado que não vivemos, e que, mesmo assim, é parte de nós mesmos.