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Espaços públicos, caminhadas e urbanidade.

Dois indígenas caminham pela maior cidade do Brasil: "muitas luzes e poucas árvores".

Por Mauro Calliari
Atualização:

Edivan Fulni-ô e Wakay Pontes. Foto: Mauro Calliari

Encontro Wakay Pontes e Edivan Fulni-ô na frente da Unibes. Eles se aquecem ao sol no dia friozinho, enquanto esperam para participar da Virada Sustentável, um mega-evento que aconteceu de 23 a 25 de agosto, onde vieram para mostrar sua música.

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Eles são indígenas que cresceram em aldeias próximas, a Fulni-ô-Caririxocó e Fulni-ô Pataxó, em Pernanbuco e vieram a se conhecer agora, na calçada da rua Oscar Freire. Edivan, estudante de engenharia agronômica está aqui pela primeira vez. Wakay, líder indígena e músico, já havia vindo outras vezes.

 

A conversa versa sobre a experiência de caminhar em São Paulo e a percepção de estar na cidade colossal.

 

Qual é a sensação de andar em São Paulo pela primeira vez?

Apesar de ambos conhecerem outras cidades pelo mundo, a experiência de estar em São Paulo é especial. Para Edinei, as primeiras 24 horas na cidade são marcantes: "São Paulo tem muitas luzes e poucas árvores".

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Na Vila Madalena, onde estão hospedados, viram lojas, vitrines e foram comer em um restaurante. "Não sabia nem o que pedir, de tanta coisa diferente no cardápio". Apesar disso, não houve nem medo nem estranhamento. Edivan acha que as pessoas se vestem demais, com medo de germes e bactérias.

Wakay demonstra a conexão com as árvores. Foto: M.Calliari

Wakay vai mais longe quando se trata de árvores. Para ele, as árvores se conectam com as pessoas e, para demonstrar, aproxima-se das árvores esquálidas aprisionadas entre o cimento da calçada e os fios e parece conversar com elas. Um ventinho logo surge e as folhas se mexem. "Está vendo, a árvore responde ao nosso contato".O Ibirapuera não passou incólume na visita de Wakay. Para ele, a grande área verde, orgulho dos paulistanos, é um bem vindo pedaço da natureza. Mas é "cheio de construções", muito domesticado, cheio de gente e "meio pequeno".

E qual é a maior diferença entre caminhar na aldeia e na cidade?

Ambos são categóricos: a experiência do anonimato na cidade. Andar entre desconhecidos é algo estranho para eles. Na reserva, que tem até uma cidade -Águas Belas - há sempre um elo.A pergunta "de quem você é filho?" basta para estabelecer a conexão. A intimidade chega até a casa: pessoas entram e saem sem bater e chegam a usar as casas dos outros como atalhos para seus caminhos. "Na aldeia, a casa e a rua são a mesma coisa", diz Edivan.

Edivan relaxa no sol de inverno. Foto: M.Calliari

Apesar de suas pinturas e seu cachimbo chamarem a atenção, em São Paulo, diz ele, ninguém ainda veio perguntar sobre elas. Em Feira de Santana, a segunda cidade da Bahia, onde mora e estuda, isso é comum e diariamente alguém puxa conversa para saber de onde vem, por que se pinta, o que pensa e logo já se tem uma relação.

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E a experiência de caminhar?

Andar nas calçadas de Pinheiros é bem diferente do que caminhar na aldeia Fulni-ô. Lá, todo mundo anda descalço e "mete o pé na lama com prazer e sente a textura do barro entre os dedos".As distâncias não assustam nossos visitantes, acostumados a explorar a pé os mais de 60 km de extensão da reserva. Wakay jura que se orienta pelo sol e pelo vento, até quando está em São Paulo. Peço uma demonstração, ele vê o vento na copa de uma árvore e aponta, sem pestanejar, o sul.

Wakay se apieda das árvores presas nas calçadas. Foto: M.Calliari

Despeço-me, feliz em constatar que nossos simpáticos visitantes são parte de um país tão grande e tão diferente, mas um tanto nostálgico em perceber que perdemos a capacidade de nos guiar pela luz do sol, dependemos de um GPS para andar dois quarteirões e ainda moramos numa cidade cujos habitantes não sabem mais se conectar com as árvores.

 

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