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Espaços públicos, caminhadas e urbanidade.

Arouche, Anhangabaú, mesas na calçada, ciclovias, Parque do Bixiga e Minhocão. Afinal, por que o espaço público gera tanta polêmica?

Por Mauro Calliari
Atualização:
 

Todo mundo sabia que a volta gradual da cidade à vida traria conflitos. Sistema de transporte, funcionamento do comércio e escolas, combate às aglomerações, distribuição de espaço para pedestres e ciclistas na pandemia eram assuntos que causavam perplexidade em todo o mundo e aqui não seria diferente.

 

O que pouca gente previu é o quanto os espaços públicos iriam fazer parte das discussões.

 

Diante de tantas incertezas, parece que nos concentramos naquilo que é mais palpável, que é mais concreto: os espaços públicos. E as polêmicas estão aí. A cada nova iniciativa, sentimos a repercussão nas redes sociais, nas conversas entre as pessoas, até com veemência.

 

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Polêmicas e conflitos no espaço público

 

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O novo Anhangabaú, a ser inaugurado em setembro, foi um dos assuntos da semana passada. Milhares de pessoas se indignaram nas redes sociais diante de uma foto antes/depois da nova reforma. Entre as razoáveis reclamações e opiniões estruturadas pelo valor da obra, a inserção urbanística e o custo, vários  protestavam que o vale já não tinha mais o jardim, não o que estava lá até o ano passado, mas o da década de ... 1930!

 

Outro assunto que entrou diretamente numa caixa de ressonância foi o projeto de mesas nas calçadas para os bares da região central, que passou na frente de outras regiões aparentemente pela interferência de uma jornalista com contato direto com o prefeito.

 

Logo antes da pandemia, o projeto de lei que criava o parque do Bixiga foi vetado pelo poder executivo. O Arouche foi reformado mas o resultado ficou muito aquém do alardeado. Em todos os lugares, pipocam problemas e conflitos.

 

Na mobilidade, tivemos muitas idas e vindas. Não seguimos os bons exemplos, como Nova York, Paris ou Bogotá, que logo aumentaram a área para pedestres e ciclistas. Demoramos a tornar a máscara obrigatória no transporte público e a frota de ônibus foi encolhida na hora errada e depois voltou ao normal. Deixamos parques fechados enquanto shopping centers estavam abertos.

 

Afinal, por que o espaço público causa tanta polêmica? Ou melhor ainda, o que queremos nós todos quanto perdemos tempo discutindo espaço público?

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Os verdadeiros donos do espaço público

 

A resposta parece quase óbvia: nós queremos nos sentir donos dos espaços da cidade. Cada vez mais, não há espaço para projetos que não são discutidos, para intervenções feitas sem participação.

 

É natural. Nos pequenos espaços  de vizinhança, as pessoas querem participar das decisões sobre qualquer coisa: a área para cachorros, a cor dos bancos, as árvores que serão plantadas. Nos grandes espaços históricos da cidade, como o Anhangabaú, é mais que razoável que todos queiramos dar algum palpite. E temos direito a isso, não?

 

Por isso, não dá para pensar em novos espaços ou em reformas que não passem pelos usuários. O Minhocão, por exemplo, foi construído em um ano na gestão de Paulo Maluf, na época em que os prefeitos eram apontados pelo governo militar, sem que moradores do entorno pudessem emitir suas opiniões sobre o monstrengo que viria a mudar suas vidas. Hoje, não é mais admissível a falta de construção de consensos nas intervenções urbanísticas.

 

Mas como envolver tanta gente que quer participar?

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Pois é, desculpe mas tenho que falar a palavra chata: processos participativos. O termo tem sido tão usado que parece gasto. Mas tem sido pouco praticado.

 

Audiências públicas (e reuniões online), quando acontecem são longas e chatas. Muitas vezes, servem apenas para que a pessoa se sinta ouvida ou então para cumprir uma exigência legal. Não precisaria ser assim. Com um mínimo de tecnologia e boa vontade, dá para mostrar projetos, discutir detalhes e até fazer votações online.

 

O piso do centro poderia ser assim ou assado? Votamos e pronto. Qualquer resultado que dê já nos torna co-autores. Ciclovia na rua x ou  y? Conversa-se com ciclistas, comerciantes, moradores e resolve-se.

 

E, em qualquer outro projeto, não dá para esperar da prefeitura algo que não seja a abertura de todos os seus canais para garantir que as pessoas saibam e opinem sobre mudanças que vão afetar seu cotidiano.

 

No caso do Anhangabaú, acho que os vícios do projeto têm muito mais a ver com o processo, que, apesar de ter algumas etapas abertas, envolveu muito menos gente do que seria razoável para uma intervenção dessa importância.

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Afinal, o projeto começou na gestão passada, e nós já estamos no último ano da atual, tempo de sobra para discutir e tocar ajustes. A questão é que a gestão atual teve dois momentos, um com o ex-prefeito João Dória, com outras prioridades e métodos, e outro com o prefeito atual, Bruno Covas que teve que lidar com inevitáveis trocas de secretários, ajustes, e ainda doença e pandemia. Não dá para dizer que o Anhangabaú não seja importante. É muito importante. Mas esses anos poderiam ter sido muito mais bem aproveitados para azeitar os detalhes da inserção urbanística e até questionar itens que dependem de manutenção, como os aspersores ou dos termos da concessão, como o funcionamento dos cafés.

 

O espaço público é essencial para a volta a cidade

 

Todo mundo sente falta da experiência de passear tranquilo, ir à padaria ou à farmácia sem se preocupar em evitar pessoas, sentar numa praça ou num parque. Com máscara não é a mesma coisa, mas dá para começar a ver o  que perdemos nesse tempo.

 

O espaço público é uma das bases da nossa convivência e parece que estamos sentindo falta mesmo é dos encontros que a cidade proporciona. Por isso é tão importante tratar os espaços antigos e os espaços novos com tanto carinho.

 

Reclamar do Arouche porque os bancos são inadequados não é chatice. É vontade de sentar num lugar confortável. Constatar que gastamos menos em reforma de calçada do que a verba originalmente destinada para isso (131 milhões de reais contra os 400 inicialmente previstos) é brigar pela chance de melhorar não só a qualidade das calçadas, mas principalmente de começar a reduzir um pouco os problemas de desigualdade da cidade.

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Por bons espaços públicos!

 

No fundo, nós só queremos que os espaços públicos sejam bons!

 

Os bons espaços públicos são aqueles que respeitam o significado histórico, estimulam a permanência, se relacionam com o entorno, abrigam diversidade de pessoas com segurança e, mais importante que tudo, propiciam o encontro.

 

Parece pouco, mas pense em todos os lugares que você conhece em São Paulo. Em quais deles você se sente bem, com vontade de ficar e com tranquilidade de ver gente diferente de você? Pois é, esse é um termômetro, uma régua que a gente devia aplicar a qualquer novo ou velho espaço público da cidade.  Não dá para aceitar reformas meia-boca, pisos desnivelados, bancos sofríveis, como vemos por todas as partes.

 

O espaço usado

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Diante disso tudo, dá para melhorar muito o processo para discutir novos espaços e dá para a gente olhar para um projeto e ver se ele reflete os usos que as pessoas farão.

 

Mas há sempre um componente inesperado. Não dá para saber de verdade como um tal espaço vai ser USADO.

 

É por isso que lugares que não são maravilhosos acabam sendo uma surpresa pelo uso que as pessoas fazem deles, como a Roosevelt (um projeto razoavelmente banal) e o Minhocão (uma excrescência urbana que cede espaço nos finais de semana).

 

É por isso também que vale a pena ir aos novos lugares para conferir in loco como eles são. Não dá para fazer uma avaliação completa de um espaço sem a parte mais importante de todas: ir lá, sentar, andar, sentir e aí, sim, descrever as sensações que ele traz. O novo Arouche já está funcionando e o novo Anhangabaú estará aberto a partir de setembro.

 

E, claro, há sempre o risco de algo que foi muito discutido, bem projetado, e bem executado não dar certo. Mas eu não conheço nenhum desses em São Paulo...

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O que os candidatos pensam sobre o espaço público?

 

Para terminar, um lembrete: as eleições municipais estão batendo a nossa porta.

 

Teremos um prefeito ou uma prefeita nova. Teremos 55 novos vereadores. O que os candidatos pensam sobre o espaço público? Que importância atribuem à urbanidade? Seu candidato tem algo a dizer sobre isso?

 

Apesar de estar sempre fora das grandes discussões (como competir com 'mais saúde, mais educação, mais moradia'?), o espaço público poderia ser um dos temas estruturantes da nossa cidade para os próximos anos, envolvendo até a questão da desigualdade urbana.

 

Dependendo de como será abordado, podemos sonhar com a volta de uma cidade diversa e vibrante ou nos conformarmos com uma cidade que se fecha cada vez mais para o outro.

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Foto: Projeto-piloto de mesas na calçada/Gestão Urbana

 

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