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Espaços públicos, caminhadas e urbanidade.

A anacrônica obsessão de dar nomes de pessoas aos viadutos e pontes

Por Mauro Calliari
Atualização:

Viaduto Marisa Leticia. Foto: Estadão.

Marisa Leticia. Tom Jobim. Maria Maluf. João Goulart. Dona Paulina. Otavio Frias de Oliveira.Julio de Mesquita Filho. Presidentes, jornalistas, mães e mulheres de políticos, uma filantropa, um cantor.

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Por que alguém quereria virar nome de um viaduto, uma ponte, ou pior ainda, de um complexo viário? Afinal, essas coisas todas são normalmente de cor cinza, cheias de carro, poluídas, com "alças de acesso" e "vigas de sustentação".

Pois mesmo assim, descobrimos que a nossa valorosa Câmara dos Vereadores continua a querer homenagear as pessoas que morreram com a discutível honra de darseus nome a viadutos, pontes e passagens subterrâneas.

Mais do que discutir se tal pessoa merece uma homenagem, talvez seja hora de entender por que nossos representantes continuam tão ligados numa coisa tão anacrônica.

Toneladas de cimento, muitas vezes superfaturadas, que levam objetos de metal para lá e para cá não parece ser uma maneira contemporânea de homenagear alguém.

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Tom Jobim foi o poeta do amor, dos pássaros, da natureza. Quando jovem, nadava a Lagoa Rodrigo de Freitas de ponta a ponta. Qual é a razão para algum incauto prestar-lhe uma homenagem com uma passagem subterrânea no centro de São Paulo, destinada a melhorar o fluxo de carros entre a Prestes Maia e a Senador Queiroz?

Viaduto Marisa Leticia. Foto: Estadão.

O viaduto Dona Marisa Leticia, outro exemplo, foi retratado hoje numa matéria do Estadão. Independente do discutível mérito da homenagem, o que se viu foi um viaduto inacabado, em que as pessoas são obrigadas a passar por cima de uma horrível mureta de concreto para poder atravessar.

Viadutos estão sendo rediscutidos no mundo todo. No Rio de Janeiro, a Perimetral (que tinha o nome oficial de Juscelino Kubitschek) veio abaixo. Em Seul, um mega-minhocão foi destruído para dar lugar a um riozinho e um espaço público de primeira linha.

Ponte Octavio Frias de Oliveira. Foto G1. Foto: Estadão

Enquanto isso, aqui, o viaduto Otavio Frias de Oliveira, hoje transformado num surreal cartão postal da cidade, não permite sequer que uma pessoa ande sobre ele. Para não falar no Minhocão, uma excrescência urbana que poderia ter sido demolido em vez de ganhar novo nome, o do ex-presidente João Goulart, no ano passado.

Já é hora de nossos representantes repensarem seus valores. Se precisarmos de um viaduto novo, talvez fosse o caso de chamá-lo por algum nome horrível, como XPY43, de tal forma que não houvesse nenhuma tentação em estabelecer vínculos emocionais com o monstrengo.

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Melhor seria guardar as homenagens para as coisas que estão a merecer homenagens. Uma nova ciclovia, uma nova horta, uma nova calçada mais larga com banquinhos com encostos na beira do rio Pinheiros, talvez essas coisas todas merecessem nomes que seus frequentadores ficariam felizes em reconhecer.

Pensando bem, melhor não. Cada uma dessas coisas merece ter o nome que seus fundadores e frequentadores quiserem e não qualquer homenagem anacrônica, dada ao sabor de conveniências políticas em vez de representar a vontade de quem usa a cidade.

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