Histórias de São Paulo

"Discussão sobre vacina serviu para esquecer do isolamento"


Por Pablo Pereira

ENTREVISTA COM...

Victor Vilella Dourado, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp)

.

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Como o sr. analisa esse agravamento da pandemia do coronavírus? Qual o impacto na linha de frente do atendimento?

Estamos alertando sobre isso desde dezembro. Em janeiro, batemos o recorde mensal de casos novos. Todos os indicativos já apontavam para uma explosão nos caso de mortes. Em fevereiro, começamos a ver um crescimento muito grande de internações e mortes. E aí está também a preocupação com o registro das novas variantes da doença, que já prometiam ter efetividade maior, mais transmissibilidade. Olha, há pouca testagem dessas novas variantes. Em outros países, como a Inglaterra, isso é mais comum. Aqui, estamos atrasados nesse ponto.

Essa crise atual foi causada pelas novas variantes do vírus ou é reflexo do movimento de pessoas no carnaval?

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Não é só carnaval. É até injusto falar do carnaval. O que observamos agora é diferente da crise de maio do ano passado, quando a gente via a necessidade de aumentar as medidas de isolamento, o que levou as pessoas ao home office. São Paulo, por exemplo, apesar de nunca ter atingido o nível de 90% de isolamento de países europeus, teve medidas restritivas naquela época. O que temos visto agora é totalmente o contrário. E o que estamos vendo? um grande trânsito das pessoas durante o dia. Ruas e meios de transportes estão lotados. No pior momento da pandemia, número recorde de mortes, não se tem basicamente nenhuma política de isolamento social, como a gente discutiu em maio do ano passado. Há total inépcia com relação a medidas mais restritivas.

Presidente, com relação às UTIs, que estão cheias. Como é trabalhar com isso?

Sim, sobre as UTIs. O que se tem em São Paulo é UTIs praticamente lotadas no setor privado e caminhando rapidamente para a lotação máxima nos hospitais públicos. E a questão aí é que as medidas de isolamento que a gente faz agora só terão impacto na mortalidade e no número de internados em duas semanas. Então, se até agora não estamos nem discutindo se fazemos um lockdown, uma diminuição maciça de contato social, esse impacto nós vamos ver lá na frente. Neste ano, a discussão da busca da vacina esqueceu o isolamento...

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Pode essa discussão da vacina ter impacto nesse agravamento atual?

Exatamente. O foco da discussão mudou. É óbvio que a gente aposta muito na vacina. Em alguns países já se percebe o impacto da vacinação na redução da doença. Ainda que se tenha receio sobre novas variantes do vírus ou efetividade da vacina. Mas, veja, depois da vacina, mesmo a pessoa pegando, não está desenvolvendo formas graves. E o que está acontecendo agora, como esse aumento de casos, é que estamos dando ao vírus a chance de criar variantes novas, com mutações que permitem ao vírus driblar a vacinação. Em outros países, como a Inglaterra, estão vacinando bastante e estão fazendo isso junto com a política de lockdown. Com isso, diminui a contaminação e no final da vacinação o vírus provavelmente não vai circular com a mesma facilidade. Mas aqui estamos vivendo o oposto. A vacinação serviu para esquecer a política de isolamento. Lembre que o que se viu discutir em fevereiro foi a reabertura das escolas no Estado de São Paulo. Isso é uma loucura. Em janeiro, a gente estava com maior número de novos casos e falando em reabertura das escolas. O discurso está desconectado da realidade. Abrir escolas no meio do pico da pandemia? Você me desculpe, me empolguei, mas isso incomoda muito a gente. A gente vê as UTIs lotadas, pessoas morrendo, com fila para UTIs no setor público e também no privado.

Essa recontaminação, por novas cepas, está ocorrendo em SP?

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Não dá pra saber ainda. Não se sabe quanto é contaminação pelo novo vírus. Não há testagem para essa nova cepa. Mas sabemos que ela já chegou em São Paulo.  Ainda não há estudo concluído sobre a prevalência da nova cepa aqui.

Sobre os profissionais. Vocês já têm recebido comunicados dos profissionais sobre dificuldades, além das normais da crise, na linha de frente? Há reclamações adicionais, o profissional tem de decidir quem vai ser tratado e quem não vai?

Olha, na verdade, isso não é de agora. Vem de muito tempo. Há uma precarização dos vínculos de trabalho. Por exemplo, nos hospitais de campanha: os médicos não tinham vínculos formais de trabalho. Então, quando adoeciam, eram demitidos. Sem nenhum tipo de remuneração, sem proteção alguma. Isso aconteceu no ano passado. Além disso, há relatos de médicos dos hospitais de campanha que queriam encaminhar pacientes para outros serviços de atenção, com maior suporte, e se isso não estava de acordo com a direção da unidade, que não queria o encaminhamento, o profissional também era demitido. A gente tem algo assim no Hospital Brigadeiro, aqui de São Paulo. Ele foi criado para atender covid. Houve inclusive assédio aos profissionais ao exercerem a prática médica, com metas ou economia de recursos, à frente da assistência. Isso é muito comum. Sobre a escolha de pacientes, ainda não está acontecendo aqui o que aconteceu no Rio, onde os profissionais tinham de escolher sobre os intubados, quem ia viver ou quem ia morrer. Não está acontecendo aqui porque São Paulo, historicamente, tem uma maior concentração de estrutura de atendimento de alta complexidade. Mas, mesmo assim, no ritmo que estamos de expansão da doença, sem medidas de controle, sem lockdown, em 15 dias a gente não vai ver a diminuição de casos, mas exatamente o contrário. E estamos com tudo aberto. No auge da pandemia.

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E o apoio psicológico dos profissionais. Como o sr. vê isso?

Olha, ao longo de 2020 o número de profissionais afetados aumentou rapidamente. Vai chegando a exaustão, aquela atenção redobrada, o tempo inteiro, para manter o atendimento de qualidade. Muitos dos médicos, nos plantões de UTI, ficam  com máscaras 12 horas seguidas. Hoje, as pessoas ficam incomodadas de ir para a rua com a máscara normal, de pano ou cirúrgica, por minutos ou algumas horas; imagina os médicos, que ficam com a N95 durante 12 horas - e várias vezes por semana. Durante um ano inteiro. Isso vai levando a diminuir os cuidados de proteção e vai aumentando o número de casos.

Vocês têm levantamentos do número de profissionais afetados pelo corona?

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Não há balanço do poder público. Não sabemos o tamanho da contaminação dos profissionais. Nem de afetados ou de mortes. Não há acesso a informações. Já tentamos fazer o levantamento. A gente sabe que o número de profissionais afetados é muito alto, mas não temos acesso ao sistema de informação de óbitos para fazer o cruzamento dos dados.

Nem nos hospitais privados?

Não. A questão é que a falta de vínculos profissionais faz com que o Comunicado de Acidente de Trabalho, o CAT, não seja aberto nos casos de infecção por covid. Muitos profissionais são PJ (Pessoa Jurídica) e não entram nas estatísticas de contaminados. Fomos a alguns hospitais de campanha e não havia levantamento de quantos foram afetados ou morreram por covid, somente dos CLT. Isso foi alvo até de CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo no ano passado, questionando a quarteirização, o descaso com os profissionais de saúde. Isso é muito grave. Chamavam os profissionais da saúde de heróis, mas o que a gente via era, de um lado, aplauso, do outro, facada nos direitos trabalhistas, nas condições de trabalho. Sobre não se ter os dados, isso é uma política geral no Brasil. Quando não se faz a conta dos afetados, aparentemente o problema não existe, não tem pandemia. Não há dados sobre os médicos afetados ou mortos. O poder público deveria fazer isso. Morreu muita gente, mas não sabemos quantos. É dramático.

Voltando aqui ao recente agravamento...

Olha, hoje, com essa discussão de abertura de escolas, por exemplo, é quase como se o poder público estivesse tentando impulsionar a pandemia. Já se tinha essa visão sobre o governo federal no ano passado, mas os governos estadual e municipal parece que se engajaram nessa tentativa de expandir a pandemia. Lá, no ano passado, houve até alguma política de isolamento. Agora, é o oposto! Tudo aberto. Vermelho à noite, das 22h às 6h, e o metrô lotado durante o dia. Seria cômico se não fosse trágico.

ENTREVISTA COM...

Victor Vilella Dourado, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp)

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Como o sr. analisa esse agravamento da pandemia do coronavírus? Qual o impacto na linha de frente do atendimento?

Estamos alertando sobre isso desde dezembro. Em janeiro, batemos o recorde mensal de casos novos. Todos os indicativos já apontavam para uma explosão nos caso de mortes. Em fevereiro, começamos a ver um crescimento muito grande de internações e mortes. E aí está também a preocupação com o registro das novas variantes da doença, que já prometiam ter efetividade maior, mais transmissibilidade. Olha, há pouca testagem dessas novas variantes. Em outros países, como a Inglaterra, isso é mais comum. Aqui, estamos atrasados nesse ponto.

Essa crise atual foi causada pelas novas variantes do vírus ou é reflexo do movimento de pessoas no carnaval?

Não é só carnaval. É até injusto falar do carnaval. O que observamos agora é diferente da crise de maio do ano passado, quando a gente via a necessidade de aumentar as medidas de isolamento, o que levou as pessoas ao home office. São Paulo, por exemplo, apesar de nunca ter atingido o nível de 90% de isolamento de países europeus, teve medidas restritivas naquela época. O que temos visto agora é totalmente o contrário. E o que estamos vendo? um grande trânsito das pessoas durante o dia. Ruas e meios de transportes estão lotados. No pior momento da pandemia, número recorde de mortes, não se tem basicamente nenhuma política de isolamento social, como a gente discutiu em maio do ano passado. Há total inépcia com relação a medidas mais restritivas.

Presidente, com relação às UTIs, que estão cheias. Como é trabalhar com isso?

Sim, sobre as UTIs. O que se tem em São Paulo é UTIs praticamente lotadas no setor privado e caminhando rapidamente para a lotação máxima nos hospitais públicos. E a questão aí é que as medidas de isolamento que a gente faz agora só terão impacto na mortalidade e no número de internados em duas semanas. Então, se até agora não estamos nem discutindo se fazemos um lockdown, uma diminuição maciça de contato social, esse impacto nós vamos ver lá na frente. Neste ano, a discussão da busca da vacina esqueceu o isolamento...

Pode essa discussão da vacina ter impacto nesse agravamento atual?

Exatamente. O foco da discussão mudou. É óbvio que a gente aposta muito na vacina. Em alguns países já se percebe o impacto da vacinação na redução da doença. Ainda que se tenha receio sobre novas variantes do vírus ou efetividade da vacina. Mas, veja, depois da vacina, mesmo a pessoa pegando, não está desenvolvendo formas graves. E o que está acontecendo agora, como esse aumento de casos, é que estamos dando ao vírus a chance de criar variantes novas, com mutações que permitem ao vírus driblar a vacinação. Em outros países, como a Inglaterra, estão vacinando bastante e estão fazendo isso junto com a política de lockdown. Com isso, diminui a contaminação e no final da vacinação o vírus provavelmente não vai circular com a mesma facilidade. Mas aqui estamos vivendo o oposto. A vacinação serviu para esquecer a política de isolamento. Lembre que o que se viu discutir em fevereiro foi a reabertura das escolas no Estado de São Paulo. Isso é uma loucura. Em janeiro, a gente estava com maior número de novos casos e falando em reabertura das escolas. O discurso está desconectado da realidade. Abrir escolas no meio do pico da pandemia? Você me desculpe, me empolguei, mas isso incomoda muito a gente. A gente vê as UTIs lotadas, pessoas morrendo, com fila para UTIs no setor público e também no privado.

Essa recontaminação, por novas cepas, está ocorrendo em SP?

Não dá pra saber ainda. Não se sabe quanto é contaminação pelo novo vírus. Não há testagem para essa nova cepa. Mas sabemos que ela já chegou em São Paulo.  Ainda não há estudo concluído sobre a prevalência da nova cepa aqui.

Sobre os profissionais. Vocês já têm recebido comunicados dos profissionais sobre dificuldades, além das normais da crise, na linha de frente? Há reclamações adicionais, o profissional tem de decidir quem vai ser tratado e quem não vai?

Olha, na verdade, isso não é de agora. Vem de muito tempo. Há uma precarização dos vínculos de trabalho. Por exemplo, nos hospitais de campanha: os médicos não tinham vínculos formais de trabalho. Então, quando adoeciam, eram demitidos. Sem nenhum tipo de remuneração, sem proteção alguma. Isso aconteceu no ano passado. Além disso, há relatos de médicos dos hospitais de campanha que queriam encaminhar pacientes para outros serviços de atenção, com maior suporte, e se isso não estava de acordo com a direção da unidade, que não queria o encaminhamento, o profissional também era demitido. A gente tem algo assim no Hospital Brigadeiro, aqui de São Paulo. Ele foi criado para atender covid. Houve inclusive assédio aos profissionais ao exercerem a prática médica, com metas ou economia de recursos, à frente da assistência. Isso é muito comum. Sobre a escolha de pacientes, ainda não está acontecendo aqui o que aconteceu no Rio, onde os profissionais tinham de escolher sobre os intubados, quem ia viver ou quem ia morrer. Não está acontecendo aqui porque São Paulo, historicamente, tem uma maior concentração de estrutura de atendimento de alta complexidade. Mas, mesmo assim, no ritmo que estamos de expansão da doença, sem medidas de controle, sem lockdown, em 15 dias a gente não vai ver a diminuição de casos, mas exatamente o contrário. E estamos com tudo aberto. No auge da pandemia.

E o apoio psicológico dos profissionais. Como o sr. vê isso?

Olha, ao longo de 2020 o número de profissionais afetados aumentou rapidamente. Vai chegando a exaustão, aquela atenção redobrada, o tempo inteiro, para manter o atendimento de qualidade. Muitos dos médicos, nos plantões de UTI, ficam  com máscaras 12 horas seguidas. Hoje, as pessoas ficam incomodadas de ir para a rua com a máscara normal, de pano ou cirúrgica, por minutos ou algumas horas; imagina os médicos, que ficam com a N95 durante 12 horas - e várias vezes por semana. Durante um ano inteiro. Isso vai levando a diminuir os cuidados de proteção e vai aumentando o número de casos.

Vocês têm levantamentos do número de profissionais afetados pelo corona?

Não há balanço do poder público. Não sabemos o tamanho da contaminação dos profissionais. Nem de afetados ou de mortes. Não há acesso a informações. Já tentamos fazer o levantamento. A gente sabe que o número de profissionais afetados é muito alto, mas não temos acesso ao sistema de informação de óbitos para fazer o cruzamento dos dados.

Nem nos hospitais privados?

Não. A questão é que a falta de vínculos profissionais faz com que o Comunicado de Acidente de Trabalho, o CAT, não seja aberto nos casos de infecção por covid. Muitos profissionais são PJ (Pessoa Jurídica) e não entram nas estatísticas de contaminados. Fomos a alguns hospitais de campanha e não havia levantamento de quantos foram afetados ou morreram por covid, somente dos CLT. Isso foi alvo até de CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo no ano passado, questionando a quarteirização, o descaso com os profissionais de saúde. Isso é muito grave. Chamavam os profissionais da saúde de heróis, mas o que a gente via era, de um lado, aplauso, do outro, facada nos direitos trabalhistas, nas condições de trabalho. Sobre não se ter os dados, isso é uma política geral no Brasil. Quando não se faz a conta dos afetados, aparentemente o problema não existe, não tem pandemia. Não há dados sobre os médicos afetados ou mortos. O poder público deveria fazer isso. Morreu muita gente, mas não sabemos quantos. É dramático.

Voltando aqui ao recente agravamento...

Olha, hoje, com essa discussão de abertura de escolas, por exemplo, é quase como se o poder público estivesse tentando impulsionar a pandemia. Já se tinha essa visão sobre o governo federal no ano passado, mas os governos estadual e municipal parece que se engajaram nessa tentativa de expandir a pandemia. Lá, no ano passado, houve até alguma política de isolamento. Agora, é o oposto! Tudo aberto. Vermelho à noite, das 22h às 6h, e o metrô lotado durante o dia. Seria cômico se não fosse trágico.

ENTREVISTA COM...

Victor Vilella Dourado, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp)

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Como o sr. analisa esse agravamento da pandemia do coronavírus? Qual o impacto na linha de frente do atendimento?

Estamos alertando sobre isso desde dezembro. Em janeiro, batemos o recorde mensal de casos novos. Todos os indicativos já apontavam para uma explosão nos caso de mortes. Em fevereiro, começamos a ver um crescimento muito grande de internações e mortes. E aí está também a preocupação com o registro das novas variantes da doença, que já prometiam ter efetividade maior, mais transmissibilidade. Olha, há pouca testagem dessas novas variantes. Em outros países, como a Inglaterra, isso é mais comum. Aqui, estamos atrasados nesse ponto.

Essa crise atual foi causada pelas novas variantes do vírus ou é reflexo do movimento de pessoas no carnaval?

Não é só carnaval. É até injusto falar do carnaval. O que observamos agora é diferente da crise de maio do ano passado, quando a gente via a necessidade de aumentar as medidas de isolamento, o que levou as pessoas ao home office. São Paulo, por exemplo, apesar de nunca ter atingido o nível de 90% de isolamento de países europeus, teve medidas restritivas naquela época. O que temos visto agora é totalmente o contrário. E o que estamos vendo? um grande trânsito das pessoas durante o dia. Ruas e meios de transportes estão lotados. No pior momento da pandemia, número recorde de mortes, não se tem basicamente nenhuma política de isolamento social, como a gente discutiu em maio do ano passado. Há total inépcia com relação a medidas mais restritivas.

Presidente, com relação às UTIs, que estão cheias. Como é trabalhar com isso?

Sim, sobre as UTIs. O que se tem em São Paulo é UTIs praticamente lotadas no setor privado e caminhando rapidamente para a lotação máxima nos hospitais públicos. E a questão aí é que as medidas de isolamento que a gente faz agora só terão impacto na mortalidade e no número de internados em duas semanas. Então, se até agora não estamos nem discutindo se fazemos um lockdown, uma diminuição maciça de contato social, esse impacto nós vamos ver lá na frente. Neste ano, a discussão da busca da vacina esqueceu o isolamento...

Pode essa discussão da vacina ter impacto nesse agravamento atual?

Exatamente. O foco da discussão mudou. É óbvio que a gente aposta muito na vacina. Em alguns países já se percebe o impacto da vacinação na redução da doença. Ainda que se tenha receio sobre novas variantes do vírus ou efetividade da vacina. Mas, veja, depois da vacina, mesmo a pessoa pegando, não está desenvolvendo formas graves. E o que está acontecendo agora, como esse aumento de casos, é que estamos dando ao vírus a chance de criar variantes novas, com mutações que permitem ao vírus driblar a vacinação. Em outros países, como a Inglaterra, estão vacinando bastante e estão fazendo isso junto com a política de lockdown. Com isso, diminui a contaminação e no final da vacinação o vírus provavelmente não vai circular com a mesma facilidade. Mas aqui estamos vivendo o oposto. A vacinação serviu para esquecer a política de isolamento. Lembre que o que se viu discutir em fevereiro foi a reabertura das escolas no Estado de São Paulo. Isso é uma loucura. Em janeiro, a gente estava com maior número de novos casos e falando em reabertura das escolas. O discurso está desconectado da realidade. Abrir escolas no meio do pico da pandemia? Você me desculpe, me empolguei, mas isso incomoda muito a gente. A gente vê as UTIs lotadas, pessoas morrendo, com fila para UTIs no setor público e também no privado.

Essa recontaminação, por novas cepas, está ocorrendo em SP?

Não dá pra saber ainda. Não se sabe quanto é contaminação pelo novo vírus. Não há testagem para essa nova cepa. Mas sabemos que ela já chegou em São Paulo.  Ainda não há estudo concluído sobre a prevalência da nova cepa aqui.

Sobre os profissionais. Vocês já têm recebido comunicados dos profissionais sobre dificuldades, além das normais da crise, na linha de frente? Há reclamações adicionais, o profissional tem de decidir quem vai ser tratado e quem não vai?

Olha, na verdade, isso não é de agora. Vem de muito tempo. Há uma precarização dos vínculos de trabalho. Por exemplo, nos hospitais de campanha: os médicos não tinham vínculos formais de trabalho. Então, quando adoeciam, eram demitidos. Sem nenhum tipo de remuneração, sem proteção alguma. Isso aconteceu no ano passado. Além disso, há relatos de médicos dos hospitais de campanha que queriam encaminhar pacientes para outros serviços de atenção, com maior suporte, e se isso não estava de acordo com a direção da unidade, que não queria o encaminhamento, o profissional também era demitido. A gente tem algo assim no Hospital Brigadeiro, aqui de São Paulo. Ele foi criado para atender covid. Houve inclusive assédio aos profissionais ao exercerem a prática médica, com metas ou economia de recursos, à frente da assistência. Isso é muito comum. Sobre a escolha de pacientes, ainda não está acontecendo aqui o que aconteceu no Rio, onde os profissionais tinham de escolher sobre os intubados, quem ia viver ou quem ia morrer. Não está acontecendo aqui porque São Paulo, historicamente, tem uma maior concentração de estrutura de atendimento de alta complexidade. Mas, mesmo assim, no ritmo que estamos de expansão da doença, sem medidas de controle, sem lockdown, em 15 dias a gente não vai ver a diminuição de casos, mas exatamente o contrário. E estamos com tudo aberto. No auge da pandemia.

E o apoio psicológico dos profissionais. Como o sr. vê isso?

Olha, ao longo de 2020 o número de profissionais afetados aumentou rapidamente. Vai chegando a exaustão, aquela atenção redobrada, o tempo inteiro, para manter o atendimento de qualidade. Muitos dos médicos, nos plantões de UTI, ficam  com máscaras 12 horas seguidas. Hoje, as pessoas ficam incomodadas de ir para a rua com a máscara normal, de pano ou cirúrgica, por minutos ou algumas horas; imagina os médicos, que ficam com a N95 durante 12 horas - e várias vezes por semana. Durante um ano inteiro. Isso vai levando a diminuir os cuidados de proteção e vai aumentando o número de casos.

Vocês têm levantamentos do número de profissionais afetados pelo corona?

Não há balanço do poder público. Não sabemos o tamanho da contaminação dos profissionais. Nem de afetados ou de mortes. Não há acesso a informações. Já tentamos fazer o levantamento. A gente sabe que o número de profissionais afetados é muito alto, mas não temos acesso ao sistema de informação de óbitos para fazer o cruzamento dos dados.

Nem nos hospitais privados?

Não. A questão é que a falta de vínculos profissionais faz com que o Comunicado de Acidente de Trabalho, o CAT, não seja aberto nos casos de infecção por covid. Muitos profissionais são PJ (Pessoa Jurídica) e não entram nas estatísticas de contaminados. Fomos a alguns hospitais de campanha e não havia levantamento de quantos foram afetados ou morreram por covid, somente dos CLT. Isso foi alvo até de CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo no ano passado, questionando a quarteirização, o descaso com os profissionais de saúde. Isso é muito grave. Chamavam os profissionais da saúde de heróis, mas o que a gente via era, de um lado, aplauso, do outro, facada nos direitos trabalhistas, nas condições de trabalho. Sobre não se ter os dados, isso é uma política geral no Brasil. Quando não se faz a conta dos afetados, aparentemente o problema não existe, não tem pandemia. Não há dados sobre os médicos afetados ou mortos. O poder público deveria fazer isso. Morreu muita gente, mas não sabemos quantos. É dramático.

Voltando aqui ao recente agravamento...

Olha, hoje, com essa discussão de abertura de escolas, por exemplo, é quase como se o poder público estivesse tentando impulsionar a pandemia. Já se tinha essa visão sobre o governo federal no ano passado, mas os governos estadual e municipal parece que se engajaram nessa tentativa de expandir a pandemia. Lá, no ano passado, houve até alguma política de isolamento. Agora, é o oposto! Tudo aberto. Vermelho à noite, das 22h às 6h, e o metrô lotado durante o dia. Seria cômico se não fosse trágico.

ENTREVISTA COM...

Victor Vilella Dourado, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp)

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Como o sr. analisa esse agravamento da pandemia do coronavírus? Qual o impacto na linha de frente do atendimento?

Estamos alertando sobre isso desde dezembro. Em janeiro, batemos o recorde mensal de casos novos. Todos os indicativos já apontavam para uma explosão nos caso de mortes. Em fevereiro, começamos a ver um crescimento muito grande de internações e mortes. E aí está também a preocupação com o registro das novas variantes da doença, que já prometiam ter efetividade maior, mais transmissibilidade. Olha, há pouca testagem dessas novas variantes. Em outros países, como a Inglaterra, isso é mais comum. Aqui, estamos atrasados nesse ponto.

Essa crise atual foi causada pelas novas variantes do vírus ou é reflexo do movimento de pessoas no carnaval?

Não é só carnaval. É até injusto falar do carnaval. O que observamos agora é diferente da crise de maio do ano passado, quando a gente via a necessidade de aumentar as medidas de isolamento, o que levou as pessoas ao home office. São Paulo, por exemplo, apesar de nunca ter atingido o nível de 90% de isolamento de países europeus, teve medidas restritivas naquela época. O que temos visto agora é totalmente o contrário. E o que estamos vendo? um grande trânsito das pessoas durante o dia. Ruas e meios de transportes estão lotados. No pior momento da pandemia, número recorde de mortes, não se tem basicamente nenhuma política de isolamento social, como a gente discutiu em maio do ano passado. Há total inépcia com relação a medidas mais restritivas.

Presidente, com relação às UTIs, que estão cheias. Como é trabalhar com isso?

Sim, sobre as UTIs. O que se tem em São Paulo é UTIs praticamente lotadas no setor privado e caminhando rapidamente para a lotação máxima nos hospitais públicos. E a questão aí é que as medidas de isolamento que a gente faz agora só terão impacto na mortalidade e no número de internados em duas semanas. Então, se até agora não estamos nem discutindo se fazemos um lockdown, uma diminuição maciça de contato social, esse impacto nós vamos ver lá na frente. Neste ano, a discussão da busca da vacina esqueceu o isolamento...

Pode essa discussão da vacina ter impacto nesse agravamento atual?

Exatamente. O foco da discussão mudou. É óbvio que a gente aposta muito na vacina. Em alguns países já se percebe o impacto da vacinação na redução da doença. Ainda que se tenha receio sobre novas variantes do vírus ou efetividade da vacina. Mas, veja, depois da vacina, mesmo a pessoa pegando, não está desenvolvendo formas graves. E o que está acontecendo agora, como esse aumento de casos, é que estamos dando ao vírus a chance de criar variantes novas, com mutações que permitem ao vírus driblar a vacinação. Em outros países, como a Inglaterra, estão vacinando bastante e estão fazendo isso junto com a política de lockdown. Com isso, diminui a contaminação e no final da vacinação o vírus provavelmente não vai circular com a mesma facilidade. Mas aqui estamos vivendo o oposto. A vacinação serviu para esquecer a política de isolamento. Lembre que o que se viu discutir em fevereiro foi a reabertura das escolas no Estado de São Paulo. Isso é uma loucura. Em janeiro, a gente estava com maior número de novos casos e falando em reabertura das escolas. O discurso está desconectado da realidade. Abrir escolas no meio do pico da pandemia? Você me desculpe, me empolguei, mas isso incomoda muito a gente. A gente vê as UTIs lotadas, pessoas morrendo, com fila para UTIs no setor público e também no privado.

Essa recontaminação, por novas cepas, está ocorrendo em SP?

Não dá pra saber ainda. Não se sabe quanto é contaminação pelo novo vírus. Não há testagem para essa nova cepa. Mas sabemos que ela já chegou em São Paulo.  Ainda não há estudo concluído sobre a prevalência da nova cepa aqui.

Sobre os profissionais. Vocês já têm recebido comunicados dos profissionais sobre dificuldades, além das normais da crise, na linha de frente? Há reclamações adicionais, o profissional tem de decidir quem vai ser tratado e quem não vai?

Olha, na verdade, isso não é de agora. Vem de muito tempo. Há uma precarização dos vínculos de trabalho. Por exemplo, nos hospitais de campanha: os médicos não tinham vínculos formais de trabalho. Então, quando adoeciam, eram demitidos. Sem nenhum tipo de remuneração, sem proteção alguma. Isso aconteceu no ano passado. Além disso, há relatos de médicos dos hospitais de campanha que queriam encaminhar pacientes para outros serviços de atenção, com maior suporte, e se isso não estava de acordo com a direção da unidade, que não queria o encaminhamento, o profissional também era demitido. A gente tem algo assim no Hospital Brigadeiro, aqui de São Paulo. Ele foi criado para atender covid. Houve inclusive assédio aos profissionais ao exercerem a prática médica, com metas ou economia de recursos, à frente da assistência. Isso é muito comum. Sobre a escolha de pacientes, ainda não está acontecendo aqui o que aconteceu no Rio, onde os profissionais tinham de escolher sobre os intubados, quem ia viver ou quem ia morrer. Não está acontecendo aqui porque São Paulo, historicamente, tem uma maior concentração de estrutura de atendimento de alta complexidade. Mas, mesmo assim, no ritmo que estamos de expansão da doença, sem medidas de controle, sem lockdown, em 15 dias a gente não vai ver a diminuição de casos, mas exatamente o contrário. E estamos com tudo aberto. No auge da pandemia.

E o apoio psicológico dos profissionais. Como o sr. vê isso?

Olha, ao longo de 2020 o número de profissionais afetados aumentou rapidamente. Vai chegando a exaustão, aquela atenção redobrada, o tempo inteiro, para manter o atendimento de qualidade. Muitos dos médicos, nos plantões de UTI, ficam  com máscaras 12 horas seguidas. Hoje, as pessoas ficam incomodadas de ir para a rua com a máscara normal, de pano ou cirúrgica, por minutos ou algumas horas; imagina os médicos, que ficam com a N95 durante 12 horas - e várias vezes por semana. Durante um ano inteiro. Isso vai levando a diminuir os cuidados de proteção e vai aumentando o número de casos.

Vocês têm levantamentos do número de profissionais afetados pelo corona?

Não há balanço do poder público. Não sabemos o tamanho da contaminação dos profissionais. Nem de afetados ou de mortes. Não há acesso a informações. Já tentamos fazer o levantamento. A gente sabe que o número de profissionais afetados é muito alto, mas não temos acesso ao sistema de informação de óbitos para fazer o cruzamento dos dados.

Nem nos hospitais privados?

Não. A questão é que a falta de vínculos profissionais faz com que o Comunicado de Acidente de Trabalho, o CAT, não seja aberto nos casos de infecção por covid. Muitos profissionais são PJ (Pessoa Jurídica) e não entram nas estatísticas de contaminados. Fomos a alguns hospitais de campanha e não havia levantamento de quantos foram afetados ou morreram por covid, somente dos CLT. Isso foi alvo até de CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo no ano passado, questionando a quarteirização, o descaso com os profissionais de saúde. Isso é muito grave. Chamavam os profissionais da saúde de heróis, mas o que a gente via era, de um lado, aplauso, do outro, facada nos direitos trabalhistas, nas condições de trabalho. Sobre não se ter os dados, isso é uma política geral no Brasil. Quando não se faz a conta dos afetados, aparentemente o problema não existe, não tem pandemia. Não há dados sobre os médicos afetados ou mortos. O poder público deveria fazer isso. Morreu muita gente, mas não sabemos quantos. É dramático.

Voltando aqui ao recente agravamento...

Olha, hoje, com essa discussão de abertura de escolas, por exemplo, é quase como se o poder público estivesse tentando impulsionar a pandemia. Já se tinha essa visão sobre o governo federal no ano passado, mas os governos estadual e municipal parece que se engajaram nessa tentativa de expandir a pandemia. Lá, no ano passado, houve até alguma política de isolamento. Agora, é o oposto! Tudo aberto. Vermelho à noite, das 22h às 6h, e o metrô lotado durante o dia. Seria cômico se não fosse trágico.

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