Pablo Pereira
13 de julho de 2016 | 19h29
O ideal seria o brasileiro mudar o hábito de comer feijão passando a consumir outros tipos, como o feijão preto, em vez de concentrar a preferência no grão carioca. A opinião é de Alcido Wander, chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Arroz e Feijão em Goiás, que acompanha o mercado internacional do produto que é hoje responsável por parte da alta da inflação brasileira. Depois de duas temporadas fracas nas três safras, o cotidiano feijão com arroz ficou mais caro cerca de 40%, segundo do IBGE, e os pacotes sumiram das prateleiras nos supermercados.
“O feijão carioca tem 60% a 70% do mercado nacional”, argumenta Wander. “Quando acontece uma quebra de safra, como ocorreu em 2014/2015 e novamente em 2015/2016, há essa dificuldade”, explicou. De acordo com dados estimados (Conab/IBGE), o Brasil consome 3,3 milhões de toneladas de feijão (todos os tipos). Os números de safra mostram que o país vem produzindo na casa das 3,1 milhões de toneladas, 200 mil toneladas abaixo da demanda. E em 2016 deve produzir ainda menos, 2,9 milhões. Em 2016, a demanda estimada está em 2,95 milhões de toneladas. Isso quer dizer que podemos fechar o ano com 400 mil toneladas, em média, abaixo do consumo histórico de feijão.
Dureza vai ser convencer os adoradores do Picadinho, do Virado à Paulista e de outros quitutes paulistanos de boteco. “O consumidor reclama até da cor do rajadinho”, brinca o especialista. Nas periferias de São Paulo, é possível notar impacto do sumiço do carioca. Nos supermercados, na primeira semana do mês, o quilo estava sendo comprado por até R$ 16. De acordo com pesquisa do Procon/SP, o preço médio na semana do dia 1 a 7/julho ficou em R$ 11,06 – uma alta de 8,01% sobre o dia 30/06. Ao produtor, dependendo da região, segundo dados da Embrapa nesta semana, o preço da saca de 60 kg chega até a R$ 500 (São Paulo) a R$ 600 (Minas e outras regiões).
A normalização dos preços, segundo o especialista da Embrapa, deve começar a ocorrer somente no final de agosto quando da colheita da terceira safra. É o feijão plantado em área irrigada, de São Paulo para cima, segundo Wander. Esse, aliás, é outro fator de pressão que pode impedir um alívio no preço. A irrigação tem impacto de cerca de 30% na formação do preço de produção por conta do consumo de energia elétrica no processo.
Mas nem tudo estará resolvido em agosto. Há ainda a projeção de nova quebra de safra. De acordo com expectativas do mercado, o produtor pode entregar menos de 500 mil toneladas de feijão novo para consumo. O técnico da Embrapa, porém, está otimista. Ele acredita que a produção pode surpreender porque as expectativas de preços com a escassez podem ter provocado aumento da produção.
“Acho que pode passar das 500 mil toneladas”, disse Wander. Ele explicou que a causa principal da crise do feijão é o fenômeno meteorológico El Niño. Foram dois anos de chuvas demais no Sudeste, principalmente no Paraná, que colhe cerca de 22% do feijão nacional, e de chuva de menos no Centro Oeste (Goiás, DF e MT). A produção está dividida assim: Paraná, 22%; Minas Gerais, 17%; Bahia, 10%; Mato Grosso, 10%; Goiás, 7%; Ceará, 6%; e São Paulo, 6%.
Wander diz ainda que o feijão carioca é uma “armadilha brasileira”. É produzido somente no país, onde também é inteiramente consumido. E não tem substituto no prato. Em junho, segundo o IBGE, o preço do feijão, medido nas capitais, teve variação de quase 34% (janeiro a maio). O Brasil tem hoje, de acordo com dados do setor, um consumo per capita de 16 kg/ano. Mas já comeu, nos anos 1970, 25 kg/ano.
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