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Histórias de São Paulo

A Venezuela e as visões de Armando Reverón

Por Pablo Pereira
Atualização:

Caracas, a capital venezuelana, encostada nos montes do Parque Nacional El Ávila, cadeia de montanhas que separa a cidade das maravilhas do mar do Caribe, é atualmente um lugar com atmosfera de dúvidas, tensões e medo de perseguições. A população sofre com uma crise econômica embaixo de uma inflação violenta e da desvalorização brutal da moeda, o bolívar, coisa na casa não mais dos mil por cento, mas dos 2 milhões por cento - e subindo.

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O poder de compra do dinheiro nacional virou fumaça. O desemprego, segundo dados recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), foi de 35% em 2018 e pode superar a marca da metade da força de trabalho do país em 2020. Na área da saúde, a Venezuela vive dias terríveis de sucateamento das estruturas de atendimento e hospitais, recorrendo a países aliados, como a China, que nesta semana fez desembarcar em Caracas um carregamento de toneladas de equipamentos e medicamentos como ajuda humanitária, festejada pelo chavismo.

A disputa pelo poder político travada na Venezuela nos últimos anos entre o governo chavista, lutando para se consolidar como modo de vida, e a oposição, amparada nos argumentos do descontentamento com a economia e das liberdades vigiadas ou retiradas, mantém a dura realidade venezuelana num clima de incertezas generalizadas.

Nesta última sexta-feira, 17, o autoproclamado presidente Juan Guaidó, líder da oposição no Parlamento e principal adversário do regime de Nicolás Maduro, foi a um reduto do chavismo, a empobrecida região de El Cementério, na periferia sudoeste de Caracas, levar donativos escolares para as crianças da comunidade e remédios. Ajudou a servir alimentos a moradores pobres amparados pela Igreja de São Miguel Arcângelo, do padre Wilfredo Corniel, no bairro Prado de Maria, com quem circulou, como mostra a foto divulgada por paroquianos.

 

Obviamente, aproveitou também para faturar prestígio com a visita postando imagens nas redes sociais, porque político nenhum é de ferro. Guaidó anda enfraquecido depois do fracasso da tentativa de fazer virar um golpe militar na Base Aérea de La Carlota, na capital, na madrugada do dia 30 de abril, parte da chamada Operação Liberdade que vinha sendo preparada desde março. Chamou greve geral na semana seguinte, mas o movimento não vingou e Maduro - e os seus apoiadores das Forças Armadas - terminou por fortalecer-se.

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Vista por um estrangeiro em visita, no início de maio, quando houve enfrentamento de manifestantes e polícia do regime, com pelo menos 5 mortes, Caracas parece uma cidade mal cuidada, com uma população angustiada tentando se virar na informalidade da economia de bicos, um fenômeno que um economista venezuelano chamou de "rebusque", ou seja, comprar aqui para vender ali para tentar livrar uns trocados, se possível em dólares. É o que lhes resta para tentar fugir do garrote de um salário mínimo mensal de R$ 40 mil bolívares (R$ 32), menos de 4% do mínimo brasileiro (R$ 998). Se por aqui a vida está difícil, imagine por lá. Por estes dias, lojas, mercados e feiras livres têm as mercadorias. Mas o consumidor não tem renda para comprar. Nesta última semana, chegou também o fantasma da falta de combustíveis.

A Venezuela, assentada sobre uma fortuna de petróleo inexplorado, vive uma doideira como a do genial artista Armando Reverón, nascido em Caracas, que na primeira metade do século passado morava numa praia de Macuto, do outro lado do El Ávila. Na penúria, Reverón (1889-1954) sofria com suas visões e alucinações, criava bonecas para conversar e pintava telas que hoje são reconhecidas obras de arte nos principais museus do mundo.

 

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