Tribunal Militar tenta tirar civis da apuração de letalidade policial

Resolução do TJM de São Paulo diz que PMs poderão recolher objetos na cena do crime; Polícia Civil reage e vai ao CNJ

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Foto do author Marcelo Godoy
Foto do author Marco Antônio Carvalho
Por Marcelo Godoy e Marco Antônio Carvalho
Atualização:

SÃO PAULO - O Tribunal de Justiça Militar de São Paulo baixou resolução prevendo que policiais militares deverão apreender todos os objetos que tenham relação com a apuração de crimes dolosos contra a vida praticado por militares ou pelos próprios PMs. A decisão, na prática, tenta tirar do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, a responsabilidade pela investigação de casos de letalidade policial, que bateram recorde no primeiro semestre deste ano, e está sendo encarada como grande prejuízo às investigações desses crimes. O Sindicato dos Delegados acionou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pedindo a suspensão imediata da medida, que gerou grande reação da categoria.

Medida é tomada em meio a ano recorde de letalidade policial. Na imagem, protesto na Rua Mourato Coelho após morte de carroceiro por PM neste ano Foto: WERTHER SANTANA/ESTADAO

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A resolução 54/2017 foi baixada no dia 18 de agosto pelo presidente do TJM, Silvio Hiroshi Oyama. Em seu artigo 1º, diz que “a autoridade policial militar (...) deverá apreender os instrumentos e todos os objetos que tenham relação com a apuração dos crimes militares definidos em lei, quando dolosos contra a vida de civil”. A atividade no local do crime é hoje realizada pelo DHPP, que em 2017 atendeu a mais cenas de letalidade policial (189) do que de homicídios entre civis (147). O número de atendimentos do DHPP a locais de letalidade já havia sido alto em 2016 (322) ante os assassinatos comuns (326). 

Para o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rafael Alcadipani, a resolução do TJM representa “licença para policiais matarem”. “Isso seria uma destruição completa dos locais de crime a partir de uma interpretação da lei bastante curiosa do Tribunal. A descaracterização do local soa como uma pretensão para gerar impunidade aos policiais militares”, disse. “Isso em um momento em que a letalidade nunca esteve tão alta.” 

Em ofício ao Secretário da Segurança Pública, Mágino Alves Barbosa Filho, o conselho da Polícia Civil, presidido pelo delegado-geral Youssef Abou Chahin, pede que seja realizado contato com o Tribunal de Justiça objetivando reverter a resolução. Para os delegados, a decisão do TJM é uma “afronta” ao texto constitucional. “A Polícia Civil não se omitirá em cumprir sua missão constitucional e, portanto, não irá deixar de instaurar inquérito policial todas as vezes que receber notícia de crime doloso contra a vida praticado por militar ou civil, em tempo de paz”, escreveram no ofício encaminhado nesta terça-feira, 23, ao secretário. 

A presidente do Sindicato dos Delegados do Estado de São Paulo, Raquel Kobashi Gallinati, acredita que a medida pode “até avalizar em certos casos uma possível alteração de local de crime”. Para ela, a apuração da Polícia Civil desde o princípio visa a obter “provas robustas e concretas para serem apresentadas no julgamento pelo júri”. “A resolução fragiliza os atos da polícia judiciária em um momento crucial da investigação, que é o local do crime”, disse ao Estado nesta terça. 

A Secretaria da Segurança informou que o ofício foi recebido “e será analisado pela pasta’. O Comando da PM informou que não ia se manifestar sobre o caso, pois ele envolve decisão do TJM e manifestação do conselho da Polícia Civil. A reportagem não conseguiu contato com o TJM e o TJ na noite desta terça. 

Recorde. O número de mortes causadas por policiais no Estado de São Paulo no primeiro semestre de 2017 foi o maior dos últimos 14 anos, na comparação com o mesmo período. A cada dois dias, cinco pessoas foram mortas por agentes em serviço ou de folga, totalizando 459 óbitos. Desde que a série histórica foi iniciada, em 2001, só em 2003 o número foi mais alto, com 487 casos. A estatística deste ano é 13,8% maior ante os primeiros seis meses de 2016. 

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Sobre o assunto, a secretaria havia dito que desenvolve ações para reduzir a letalidade, mas ressaltou que "a opção pelo confronto é sempre do criminoso". "Houve, nos primeiros seis meses do ano, 1.850 confrontos apenas com PMs em serviço. O índice de criminosos que morrem após reação da polícia para combater crimes foi de 17%. Ou seja, na grande maioria dos casos, o confronto não resulta em óbito", declarou. A pasta informou ainda que no primeiro semestre de 2017, 58,3% dos casos que resultaram em morte foram originados de ocorrências de roubo.

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