Tráfico volta a armar barracas para distribuição de drogas na Cracolândia

Prefeitura trata estruturas como ‘varais’ e aponta diferenças em relação à ‘favelinha’ que existia no local até 2014; feira de crack é interrompida três vezes ao dia. Associação de moradores reclama de insegurança e Estado diz manter 150 homens no bairro

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Por Bruno Ribeiro
Atualização:

SÃO PAULO - Dependentes e traficantes da Cracolândia, no centro da capital paulista, voltaram a montar barracas para driblar a fiscalização das autoridades e manter o consumo de crack no chamado “fluxo”, ocupando um quarteirão da Alameda Dino Bueno. A gestão Fernando Haddad (PT) trata as estruturas como “varais”, admitindo que são montadas para manter o comércio de drogas, mas minimiza o problema, apontado diferenças entre elas e a “favelinha” que existia ali até 2014. 

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No interior da barracas, traficantes deixam mesas e cadeiras, onde as pedras de crack são expostas em pratos. Pelo chão, há muita sujeira. O movimento ao redor dali é intenso.

A Prefeitura interrompe essa “feira” três vezes ao dia, quando guardas-civis metropolitanos dispersam o fluxo para dar passagem a um caminhão-pipa e outro de coleta de lixo, desmontando todas as estruturas. Passados poucos minutos, porém, as casas de lona voltam para o meio da rua, onde ficam à espera da próxima faxina. 

Estruturas com mesas e lonas ressurgem logo que GCM deixa a área; ainda não houve confrontos Foto: Karl Stanzel/Conseg

Comerciantes da região tratam essa dinâmica com a ilustração mais óbvia: “O que fazem é enxugar gelo”, diz um deles, que afirma ainda não acontecer confrontos na hora da limpeza por causa da certeza dos traficantes de que, minutos depois, poderão voltar à rotina.

Explicações. “Não são barracas como existiam antigamente. São varais que eles colocam para impedir a filmagem da ação dos traficantes”, afirma o secretário municipal da Segurança Urbana, Benedito Mariano. A diferença, diz ele, é que não há pessoas vivendo nessas novas estruturas. 

O programa São Paulo de Braços Abertos, da Prefeitura, que foca em combater a fragilidade social dos dependentes - e não o tráfico, que é de responsabilidade da polícia - teve início em janeiro de 2014, justamente quando a “favela” da Cracolândia havia ganhado as manchetes dos jornais. No fim do ano passado, quando começaram a surgir novas barracas, ainda de forma velada, a Guarda Civil Metropolitana (GCM) passou a impedir a entrada de carrinhos de carroceiros no fluxo - a justificativa era que, dentro deles, os frequentadores levavam materiais para erguer as tendas de lona. 

“Isso não mudou, continuamos impedindo”, diz Mariano. “O que acontece é que há comerciantes do entorno, agora ajudando os traficantes, guardando material para eles. Aí, depois de tirarmos as lonas, eles pegam outras lonas guardadas e montam barraca de novo.”

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“O que a gente vem insistindo é que é preciso um trabalho de segurança, com inteligência, prendendo traficantes longe dali”, diz o secretário. Anteontem à tarde, quando o Estado visitou a região, havia apenas uma base móvel da PM no local. A GCM mantém 200 homens ali e deve abrir uma inspetoria na Cracolândia em junho.

Polícia. Já a Secretaria de Estado da Segurança Pública, em nota, informou que, neste ano, 140 pessoas foram presas por tráfico na região. “Além disso, o (Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos) Denarc está empenhado em investigar fornecedores de drogas para a área”, diz a nota, que afirma ainda que a PM tem 150 homens no bairro. 

As explicações, entretanto, não acalmam a Associação de Moradores da Santa Cecília, principal entidade comunitária da região. O presidente, Fabio Fortes, reclama da insegurança. “Estamos diante de um tumor social. Os programas (das três esferas de governo, diz ele) são uma confluência de teorias cujo resultado prático é a insegurança de moradores, trabalhadores, turistas, comerciantes e estudantes que convivem em toda região central sob constante ameaça.”