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Só 5,9% das mortes de policiais têm ligação com serviço

A maioria dos policiais mortos no Estado foi vítima de atentados (49,5%) ou de roubos (21,4%), conforme as investigações feitas pela Corregedoria

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Por Marcelo Godoy
Atualização:
Solenidade. Suzana, a viúva do cabo Jair, recebe medalha Foto: Werther Santana/Estadão

Suzana vestiu uma blusa preta e uma calça jeans na quinta-feira. Era a única mulher em trajes civis a receber uma medalha na cerimônia no 2.º Batalhão da PM, na zona leste de São Paulo. Estava acompanhada pelo filho de 14 anos, por um cunhado e uma prima. Ela e o cabo Jair de Lima Rodrigues, de 42 anos, foram casados por 20 anos. Há sete meses, ele foi assassinado.

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Seu marido estava no Logan do serviço de inteligência do batalhão quando um homem se aproximou de bicicleta. Pouco depois, outros passaram pelo carro - cujos vidros tinham uma película escura - e tentaram ver o que havia ali dentro. 

O desfecho foi rápido. Um dos bandidos gritou. O outro largou a bicicleta, sacou uma pistola, correu e voltou para atirar. As balas perfuraram o para-brisa do Logan. Um dos disparos acertou o peito do cabo. O tiro foi fatal.

++ Um policial militar é morto a cada 5 dias em São Paulo; são 1.147 desde 2001

As investigações da Corregedoria mostram que só 5,9% dos assassinatos de policiais têm como motivo algum fato ligado à ocorrência que o agente atendia ou serviço que ele fazia na hora do crime. A maioria dos policiais mortos no Estado foi vítima de atentados (49,5%) ou de roubos (21,4%).

Os dados, que envolvem o período entre 2012 e 2017, revelam ainda que desentendimentos (2,2%) e crimes passionais (1,4%) ocupam pouco espaço nessa estatística - 19,4% permanecem com motivação desconhecida. “Há infratores que, desejosos de entrar para uma facção, decidem matar um policial para serem respeitados no mundo do crime”, diz o major Flávio César Fabri, cujo trabalho é prender matadores de PMs.

Para o coronel Marcelino Fernandes da Silva, comandante da Corregedoria da PM, “a morte ou a tentativa de homicídio acontece principalmente em decorrência da profissão”. “Esse foi o caso do cabo Rodrigues.”

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++ 80% dos crimes são esclarecidos, diz Corregedoria

Telefonema. “Ele era um pai e um marido maravilhoso”, afirma a viúva. No dia do crime, ela havia saído de casa, quando o telefone tocou. Era seu tio, pedindo que voltasse logo, pois havia chegado uma correspondência em casa que ela precisava assinar. “Pensei: alguma coisa aconteceu.” Era 5 de abril.

Suzana ainda espera receber o seguro de R$ 200 mil pela morte do marido a ser pago pela PM. Enquanto isso, conta com a ajuda dos colegas do marido para levar a vida adiante. “Se não fossem eles, não teria conseguido fazer nada.” Na quinta-feira, ela recebeu do batalhão a medalha concedida ao seu marido.

Rodrigues tinha 15 anos de corporação e estava sentado no banco do passageiro do carro. Ao seu lado, o soldado Cláudio Brito Fernandes, de 40 anos, também do 2.º Batalhão, uma unidade tradicional da PM, conhecido como Dois de Ouro. O cabo e o colega trabalhavam sem farda, fazendo investigações no serviço reservado. Os dois verificavam uma informação do disque-denúncia - Brito ainda tentou socorrê-lo.

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O autor do tiro que matou Rodrigues - identificado como Wesley Conrado da Silva, de 22 anos - seria morto pouco depois por policiais do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep). Outros três suspeitos foram detidos, mas acabaram soltos por falta de provas. 

No dia seguinte, no velório no batalhão, enquanto amigos se abraçavam, o silêncio no salão de entrada era interrompido apenas pelo choro surdo e seco da viúva. Às 8h50, chegou ao lugar o comandante-geral da PM, Nivaldo Restivo. “Eu estava no Rio quando soube.” Era o primeiro, mas não o último enterro de um policial a que Restivo compareceria no ano - seriam sete até 30 de novembro.

Seis coroas de flores cercavam o caixão do cabo. Um pastor começou a rezar. E a reza virou elogio fúnebre. “Jair doou sua vida à sociedade”, disse o pastor Joades.

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O cortejo saiu da zona leste em direção ao Mausoléu da PM, no Cemitério do Araçá, na zona oeste. É ali que são enterrados os policiais mortos em serviço. “Nunca esquecemos. A vida desses homens faz parte de nossa memória”, afirmou o tenente-coronel Márcio Santiago, comandante do 2.º Batalhão.

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